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Se eu fosse você, Marca de Relógios…

09 de agosto, 2016 - por Max Franco

 

A tarde já fechava os seus olhos quando ela me avistou de relance. Foi amor à primeira vista, eu percebi de cara. A moça seguia rápido pelos corredores do shopping quando me vislumbrou ao dobrar à esquerda. Ela me viu e parou, não só como pisasse o freio, mas, também, como quem puxasse o de mão. Foi uma paixão imediata, eu percebi e me vangloriei entre um tic e o tac do meu mecanismo.
Como assim “mecanismo” ?!, suponho que você esteja se perguntando.
E eu lhe respondo: é o que relógios possuem para funcionar: um bom sistema de peças milimetricamente ajustado e preciso.
É o que sou, um relógio. Na verdade, não sou do quilate de um Patek Philippe, nem tenho o glamour de um rolex, mas faço o meu serviço com pontual honestidade e com uma boa reputação de custo-benefício que poucos merecem.
No entanto, me dei conta de que, para ela, logo para a minha maior fã, eu era acima do preço.
– Mas, é tão caro assim? – disse ela me apontando para a vendedora.
– É uma peça única, praticamente exclusiva da nossa última coleção. – argumentou a vendedora me expondo acomodado na caixa com a cerimônia de uma joia rara. As mãos da minha bela admiradora estavam quentes quando ela me apalpou, me virou com curiosidade e afagou com carinho. Foi ali que entendi que se havia destino, o meu seria o de ser dela. Como ficaria se tivesse que me distanciar daquelas mãos?
– Vocês parcelam? –  perguntou mordendo o lábio inferior.
– Em três vezes. – respondeu a outra com certa nota de frieza na boca encarnada e sorridente.
O problema é que objetos não nasceram com a qualidade da expressão. Objeto é troço inanimado, por mais alma que queira ou mereça ter. Como lhe dizer que tinha que ser seu? Eu não podia chamá-la para jantar ou elogiar o seu cabelo. Eu não podia lhe escrever um poema ou presentear uma flor. Não podia apelar para criatividade nem para clichê. Eis o meu dilema objetizado. Quão afortunado é o ser humano que tanto pode, mas que muito desperdiça! Ah, se por um instante, por um mero segundo que tão bem marco, pudesse me humanizar oportunamente? Eu lhe diria: não me deixe aqui, moça de olhar castanho! Eu serei por todo o tempo que lhe indicarei o seu servo mais leal. Eu nasci para lhe decorar, se é que a beleza necessite de algum adorno!
– Não poderia parcelar em quatro?
– Apenas em três, infelizmente. Em quatro, com juros.
Eu, decididamente, tinha uma inimiga e era uma rival de batom vermelho.
A moça da minha devoção deu as costas e senti o coração – que não tenho – dando um sobressalto. Não via mais sentido em exercer a minha função se não fosse para ela. Que destino irônico e doloroso será o meu ao servir, apenas, para marcar todo o tempo que ficarei distante dela! Que trágico será viver medindo o tempo dessa solidão! Antes não exercer meu ofício. Antes emudecer…
– Você viu? – perguntou a moça se voltando para a vendedora.
– O quê?
– Ele parou.
– Isso é impossível! – soltou a vendedora incrédula. Ela o sacode aproximando do ouvido. – É uma peça novíssima.
– Mas parou, não foi? Ele está quebrado?
– Deve ser a bateria. Vou trocar. Só um minuto.
Ela trocou, mas de nada serviu.
– Posso ver? – inquiriu a moça.
– O que acha… Como assim? Não estou entendendo! Ele voltou a funcionar?
– Sim. Olha aqui. Funcionando.
– Você poderia me devolver o relógio? Quero verificar. Não estou compreendendo…
– Ele parou de novo, não foi?
– Se ele voltar a funcionar nas suas mãos, eu lhe dou 30% de desconto!
– 50?
– 40%.
– Voltou.
– Ele é seu. Pode parcelar em quatro vezes.
“Quem disse que objetos não podem ser felizes?! ”
Foi o que pensei quando saí da loja e ganhei a rua.
No braço dela.