http://www.maxfranco.com.br/cronicas/a-pedra/
A pedra
14 de novembro, 2016 - por Max Franco
Mesmo não sendo uma pessoa especialmente religiosa, acredito que Jesus, tanto pelo que conhecemos da sua vida, quanto pelo conjunto da sua mensagem, é uma das principais personalidades da História.
Sou um agnóstico relutante. Vivo buscando motivo para não sê-lo. Busco, mas não encontro. Neste intervalo, muita vez, tento entender melhor o legado de Jesus para a humanidade.
Apesar da minha condição desreligiosa, tenho uma longo relacionamento com a doutrina cristã. Por vezes, observo com pesar que as religiões tenham servido muito mais para dividir do que para unir, para manipular mais do que para servir, para justificar intolerâncias mais do que para incentivar o perdão.
Entre todas as passagens dos evangelhos, sem dúvidas, a que eu acho mais impactante é a da mulher adúltera. Aquela que, sem nenhum fundamento, a tradição aponta como sendo Maria Madalena. Papel que o texto não diz que é dela, mas, sei lá por qual motivo, ficou sendo. Particularmente, acredito numa campanha de difamação em relação a esta moça.
De todo modo, vamos ao cerne da questão: Fazia tempo que os fariseus queriam encurralar Jesus e se aproveitaram do episódio para colocá-lo num paredão. A regra era clara, pela lei de Moisés, eles teriam que apedrejar a mulher que fora encontrada em fragrante delito, com a boca, literalmente, na botija. Não haveria escapatória para ela, nem para o pacifista Jesus, que tinha o inusitado, nem sempre aprovado, hábito de pregar o perdão e o amor ao próximo. Restava-lhe poucas opções. Se apoiasse o apedrejamento, ele agiria de forma incoerente ao que disseminava. Se rejeitasse a lei, seria acusado de agitador, rebelde. Era a ocasião perfeita para comprometê-lo.
O fim da história, todos conhecemos. Jesus se utiliza quase de um sofisma, de um argumento contra o qual nem os cínicos mais agudamente cínicos conseguiriam derrubar. Foi um ato não só de grande inteligência e estratégia, mas também de profunda elegância e sofisticação.
Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra!
(Teoricamente, ele mesmo poderia tê-lo feito e, inclusive, Maria, a sua mãe, ela também sem pecado!)
Eu fico pensando na adúltera, a qual, em nenhuma das versões, protesta contra a própria condição. Ela sabia que seria apedrejada até a morte. Condenação que, até hoje, é comum nos países muçulmanos mais ortodoxos. Ela não deve ter acreditado na própria sorte.
Pergunto-me sobre o adúltero. Ninguém fala dele. Deve ter ido para um bar mostrar para os amigos o vídeo que fez no celular.
Penso também nos fariseus. Devem ter ido embora com uma frustração do tamanho do templo de Jerusalém e, é claro, tramando mais ainda para uma futura condenação do Nazareno espertinho. Sabemos que o estratagema acabaria funcionando, já que Jesus acabou sendo crucificado com a acusação de revolucionário por praticar atos de sedição contra Roma.
O que me intriga, porém, foi o que Jesus fez durante o episódio. Diz-se que ele se abaixou e ficou escrevendo no chão. Ele teria rabiscado na areia os pecados dos seus interlocutores? Decerto ele os conhecia. Eles também teriam praticado adultério? Ou usura? Corrupção? Algum sacerdote teria utilizado a doações dos fiéis para conforto próprio? (Sim, estes desvios aconteciam naquela época!) Não vejo motivo para o evangelista João descrever tão bem o ato de Jesus se isto não tivesse nenhuma funcionalidade.
Imagino com prazer a sensação de incômodo que o fato deve ter despertado nos judeus. Sabemos como os juízes de plantão ficam desconfortáveis quando são confrontados com as próprias gafes. O pesadelo de todo moralista é o de ser apanhado em ato desmoralizante. As calças na mão só tem graça quando as mãos são as dos outros.
No entanto, hoje, especulo se não apedrejariam a mulher. Todo mundo se acha meio santo atualmente. Atirariam as pedras e argumentariam que bandido bom é bandido morto. E, pior, o apedrejamento só ampliou o seu alcance. As redes sociais servem, sempre mais, para alargar os patíbulos, praças, ruas e mercados. E todos somos carrascos voluntários, vampiros sedentos de sangue, contentes com as desgraças alheias, braços malhados de tanto atirar pedras.
Particularmente, não sei dizer se sou ou não cristão. Acho, porém, que entendi uma pequena coisa sobre a mensagem do Nazareno. Que sem amor e perdão, o cristianismo vira mera cosmética.
Comentários