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Escrever seus anjos

11 de novembro, 2017 - por Max Franco

Pensar demasiado não me transforma em filósofo da mesma forma que beber muito vinho também não me faria um sommelier.
Talvez pensar adequado me servisse para algo, mas não sei mexer bem nessa máquina. Faltei ao curso, me atrasei nessa aula e perdi o manual.
Pensar me serve mais para afugentar o sono me fazendo renunciar o conforto da cama e partir para o velho remédio que é o de colocar palavras uma à frente de outras, perfilando conjecturas e sentimentos. Para quê? Para ver se, talvez, ao enxergar as palavras explícitas e espichadas no texto, elas consigam me fazer algum sentido. Para extirpá-las de mim como se subtrai um câncer. É que palavras estagnadas também contaminam.
Dormir é melhor que escrever, todos sabem. Porque, também como todos sabem, escrever é das tarefas mais gratuitas que um sujeito pode empreender.
Mas não se escreve para nada. Escrita com objetivo é tese ou jornalismo. Coisas que poucos consomem.
Não se escreve mesmo para nada. Escreve-se porque não há outro jeito senão escrever.

Michelângelo dizia que precisava tirar o anjo da pedra. Que esculpir era isso. Tirar os excessos. Escrever também por para fora os seus anjos. Seus anjos e demônios.
Porque a mudez é perigosa e provoca asfixias, afogamentos e claustrofobias. Afinal, ninguém quer ser esmagado pela avalanche das palavras retidas.
Não se escreve para, escreve-se sobre, ou como.
Escreve-se porque.
Escreve-se quando não há outro jeito além do respiro agoniado do escrevente.
Escreve-se por.
Escreve-se agora, por causa do ontem e apesar do amanhã.
Escreve-se tanto ou muito mas sem obrigação de nada.
Escreve-se para que leiam e te leiam mesmo que poucos não estejam nem aí para saber-Te.
Escreve-se porque não há condenado sem último pedido. Porque não se amordaçar palavra em vão. Porque toda escrita é, a rigor, uma delação, mas uma delação despremiada, desescutada, desapercebida.
Afinal, o que é uma palavra senão um suspiro?