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O conforto incômodo
25 de dezembro, 2017 - por Max Franco
O ser humano não nasce tabula rasa, como afirmou Sócrates. Em virtude das novas descobertas da psicologia, da neurociência e da biologia, descobriu-se que, quando nascemos, trazemos algo, uma memória genética, uma programação qualquer no nosso hardware. O fato é que, queiramos ou não, trazemos características físicas e psicológicas dos nossos antepassados. E há outra questão: quando nascemos, não trazemos somente esta casa visível e acessível que conseguimos perceber com certa facilidade. Para a nossa surpresa, há um submundo enorme no nosso inconsciente que já vem habitado.
Para Campbell, é ali que também mora o apreço humano por histórias e, em especial, pela sequência aequetípica da Jornada do herói.
Durante a vida, homens e mulheres, mesmo sem saber, vão buscar a façanha, porque durante centenas de milhares de anos, a façanha fez parte do seu cotidiano. Da mesma forma que buscamos o turismo para repor a nossa necessidade ancestral de nomadismo que majoritariamente fez parte da nossa existência sobre o planeta. O homo sapiens foi caçador-coletor por quase 200.000 anos, tornando-se gregário apenas há 15.000 anos, em determinadas regiões do mundo. È normal, portanto, que tenhamos este alerta interno que acende quando a rotina aperta, quando o tédio impera, quando os problemas se acumulam. Aí, algo no nosso cérebro reptiliano grita: “foge, corre, parte, sai desta terra e busca outra.” Exatamente da mesma maneira que agiam os nossos ancestrais.
A verdade é que até gostamos da zona de conforto. Trabalhamos, afinal, para buscar conforto e segurança para nós e para aqueles que amamos. A busca pelo cômodo é também uma pulsão humana das mais naturais. O problema é que o “mundo comum” não nos satisfaz por muito tempo. O problema é queremos mais.
Queremos mais o quê?
Emoções, meu caro. Como diria o Roberto: emoções! Somos eternos garimpeiros de emoções!
O problema é que a zona de conforto tem prazo de validade e é curto. O desejo pela caçada permaneceu tanto tempo inserido no nosso cérebro reptiliano para sair assim, à francesa, sem deixar vestígios. Aqueles desejos dos nossos ancestrais, seus medos e seus instintos estão todos lá. Por isso, queremos histórias, surpresas, descobertas e travessuras. Mas como, atualmente, somos demasiado para covardes fazer isto na vida real, apelamos para sublimações e/ou projeções que compensem o desejo inconsciente pela aventura. Para preencher essa lacuna é que existem romances, filmes e séries de tv. “Eu não faço, mas o meu personagem faz no meu lugar”. Quem é, então, o personagem ideal ? Simples, é o empático. É aquele que proporciona com mais facilidade que você se coloque no seu lugar. Esta é a grande história contada e recontada pela humanidade, por milhares de anos, em todos os lugares deste planeta azul: a história que lhe permite participar. A sua história, mesmo que não seja.
Há sempre, porém, aqueles que não se satisfazem com as projeções e compensações, com as proezas de poltrona, com os tranquilos perigos do netflix. Estes vão buscar os hormônios da felicidade, a serotonina, a dopamina e a adrenalina no mundo real. É para aqueles que gostam de viver perigosamente. É aquele sujeito que pratica esportes radicais ou que arranja uma amante. (Sabemos que o último é muito mais arriscado!).
A questão é a zona de conforto de fato conforta, mas não só. Ela também vai lhe entediar, deprimir, engordar, adoecer e, talvez, até matar.
Como diz Harari, a maior farsa da humanidade foi trocar o nomadismo pelo sedentarismo. Ele diz muita coisa relevante neste livro maravilhoso (Sapiens, Uma breve história da humanidade) e traz um dado extraordinário: que, atualmente, o açúcar mata mais do que a pólvora. Afinal, morre muito mais gente no mundo de diabetes do que em virtude de guerras ou de violência urbana. Em outras palavras, o prazer mata e mata muito.
Então, pare de viver perigosamente parado, defronte à TV comendo chocolate, e vá se mover de alguma forma. Vá também arrumar alguns problemas para lhe motivarem a se mover. Só não arrume amante, porque isso não é aventura, é encrenca.
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