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O papel do professor na Jornada do Aprendiz
04 de janeiro, 2018 - por Max Franco
Nas obras de Campbell e de Vogler, sempre há este personagem substancial que, muitas vezes, surge na história com o objetivo de treinar ou orientar o protagonista. A impressão que dá é que ele é inserido no roteiro com esta única função. Você se lembra do Mestre Yoda? Todo herói tem um Mestre Yoda para chamar de seu. É um velho sábio ou mago como Merlin, do rei Arthur. Também pode ser o Grilo Falante, do Pinóquio. Não importa. Ele está na história para indicar o caminho na expedição do nosso herói. Afinal, o papel do mentor é o de treinar o herói para as crises e lutas que se apresentam no seu caminho de descobertas. Basta se lembrar do Professor Dumbledore, Gandalf, Senhor Myagi e até do Hannibal nos filmes, para entendermos qual é a função do mentor. Quando o herói-aprendente atravessa o primeiro portal aceitando a aventura, ele encontrará na estrada aliados e inimigos e superará dificuldades que vão prepará-lo para a grande crise que se aproxima. Uma crise que pode aparecer de várias formas, mas, em suma, é o momento em que o nosso protagonista será mais testado e exigido.
O nosso aluno, por exemplo, passará por momentos semelhantes. Virá a hora na qual ele se debaterá para compreender algo que ele não sabe. É a luta com o dragão pela obtenção do tesouro. Todo aprendizado é sistemicamente uma vitória sobre a ignorância. E, certamente, esta vitória traz sempre recompensas e uma ressurreição. O sujeito dessabedor morreu. Renasceu um que sabe. Diferente do anterior. E é no retorno, na volta para casa, quando o herói compartilha este novo conhecimento com alguém ou com a sua comunidade, que a jornada é concluída com sucesso. Quem é o herói? É aquele que luta, vence, renasce e ensina para os demais. É o destino, portanto, de todo herói, caso sobreviva, se tornar mentor. Ele, afinal, no mínimo, deixa um exemplo, uma lição, um aprendizado, para a coletividade. É o que Campbell chama de elixir.
Não é novidade para ninguém: vivemos um momento muito complicado nestas atualidades. Antes, a humanidade queria prever o futuro para poder se precaver. Hoje, desejamos ardentemente entender o presente para podermos sobreviver. É um mundo confuso. Talvez, por isto, estejamos tão carentes de mentores e de guias. O homem hodierno, solitário, desorganizado e desorientado vive clamando por cicerones que lhe indiquem o caminho, apontem o mapa e iluminem a estrada sombria. Por sorte ou azar, amiúde, vão aparecer estes guias dipostos a apontar a direção para os desnorteados. Nem sempre, porém, estas indicaçãos serão camaradas e recheadas de boa fé.
A abissal carência de orientação é a força motriz que desencadeia esta busca desenfreada por mestres à qual assistimos na modernidade, e é o que vai gerar este fenômeno pop de tantos professores, pastores e padres seguidos por milhões de pessoas. É simples: quem está perdido busca aquele que tem ou promete ter um mapa qualquer. E há alguém que não se sinta meio perdido neste mundo atual?
A relevância do mentor, porém, não é um advento casual ou atual. Na eloquente e profícua obra de Joseph Campbell, o autor ressalta, nos estágios da saga do herói, o importante papel deste personagem. Mesmo sendo educador desde os meus 18 anos, por pura ignorância, eu não imaginava, até me aprofundar no conhecimento da “Jornada do herói”, que o papel de Mestre pudesse ter uma participação tão fundamental na consecução de uma história.
O herói precisa de motivação e orientação de alguém experiente. É aí que entra o mentor (um velho soldado, pajé, xamã, professor, monge, sacerdote…) que estimula o aprendiz a seguir o seu caminho. É um guia para a famosa jornada.
Ultimamente, no mundo da ficção, especialmente, no cinema. Estamos acompanhando um fenômeno bastante peculiar e, de fato, muito correspondente à realidade: estamos acompanhando o exato momento em que heróis se transformam em mentores.
Rocky se transforma em treinador do filho do seu antigo rival e, depois, amigo, Apolo Creed. Luke Skywalker tem que treinar uma nova aprendiz. Heróis clássicos estão deixando a protagonização e estão formando novos discípulos. Portanto, novos protagonistas. O tempo é cruel?! Sim, também é, mas não só. O tempo promove mudanças, algumas são benéficas. Mudar é a única constante da vida, porque mais cedo ou mais tarde, tudo muda.
Vai ser mais um episódio de crescimento para estes heróis, os quais, outrora, também tiveram seus mentores, mas que, agora, assumem uma nova função na história. Certamente, os mentores – outrora – tiveram seus dias de heróis.
Educar é guiar. Duc é uma palavra latina que significa conduzir, levar. O duto é uma passagem. O condutor é quem leva. Todo educador é, portanto, cicerone. Ele esteve lá antes ou sabe o caminho, ou tem experiências acumuladas que lhe permitem descobrir atalhos. O mestre, a rigor, é um guia e um professor.
Por conseguinte, potencialmente, todo herói é, em potencial, um futuro mentor.
Na verdade, o teatro grego nos ensina que um mesmo ator pode assumir vários papéis. Era comum na dramaturgia clássica que os atores mudassem de personagens e, para isso, usavam máscaras. Acredito que, na vida, o ideal é fazer exatamente como nesses tempos idos. Há momentos nos quais usamos a máscara de aprendiz, noutros, de mentor. Há horas nas quais ensinamos. Há outras quando aprendemos. É o roteiro que define. O importante é seguir a deixa e usar a máscara certa no momento adequado. Um bom professor sabe fazer esse jogo dialético com bastante simplicidade. Ele deve saber distinguir os momentos nos quais deve aprender e ensinar.
Qual é o grande papel do mentor? Entusiasmar o aprendiz! Mas, por favor, não confunda entusiasmar com palestra de motivação ou coisa do gênero. Não estou fazendo alusão às técnicas tão difundidas atualmente de manipulação das massas, repletas de proselitismo, triunfalismo e charlatismo. Falo do real sentido da palavra entusiasmo, que vem do grego in theos, isto é: em deus. Qual é o papel do mentor, portanto? Isso mesmo, dar deus ao mentorado. O deus das religiões, ancorado nas doutrinas? Não, em absoluto. Aqui se trata mais do élan, daquele ímpeto interior que precisa aflourar para que possa ocorrer a superação dos obstáculos. O mentor é aquele que anima, que dá alma ao seu aprendiz.
Contudo, quero entrar numa outra seara um pouco complicada. Não posso fugir de uma questão que, desde que me entendo como educador, toca a campainha da minha consciência. Como um professor pode animar alguém estando – o próprio – desanimado? Como um desmotivado lograria motivar?
O fato é que há quem afirme que ser professor é uma missão.
Acho que precisamos conversar um pouco sobre a diferença entre profissão e missão.
No meu caso, a descoberta do meu apreço pela carreira docente começou muito cedo. Estava concorrendo para uma difícil vaga na Escola Técnica Federal do Ceará. Tinha 14 anos mal completados e certa antipatia inata por números, mas sabia que se não os domasse, dificilmente, teria condições de ser classificado entre tantos candidatos. Portanto, eu estudava todos os dias até tarde, varando a madrugada, movido a litros de café. Foi acidental, mas me dei conta de que aprendia mais quando explicava para “alguém” o que estava estudando. Então, criei os meus alunos de imaginação e dava aulas para eles noites a fio. O simpático era que os meus “alunos” imaginários se sentavam justamente na minha prateleira de livros. Desde cedo, mesmo inconscientemente, a simbiose se fez presente. Qual? O mais contínuo e profícuo processo entre aluno e professor. O aluno que aprende também ensina. O educador que ensina também aprende.
Não teve outro jeito, não demorou muito, aos 18 anos, já estava trabalhando em escola. Havia descoberto que só me sentia realmente bem e realizado quando estava educando, quando alguém aprendia algo com a minha mediação, quando era o que um educador deve sempre ser: um guia. Todo professor, por definição, é um cicerone. É aquele que mostra caminhos, abre estradas e indica a direção. Este mentor, então, nunca deveria se deter apenas no campo do conhecimento formal, mas, principalmente, na promoção de valores humanos e universais. Este é o educador que fica na nossa memória: aquele que nos faz enxergar o que não vemos. Eu tinha descoberto o que queria ser. Agora, faltava aprender a sê-lo. Entre o querer ser e o ser, porém, como sabemos, são milhares de quilômetros.
Acredito que é o que fiz em todos esses anos: caminhar. Às vezes, depressa, sem mal perceber a paisagem. Noutras vezes, devagar, degustando cada sabor da jornada. Houve, também, tropeços inesperados, escorregões dolorosos e, por fortuna, enormes saltos para frente. No entanto, não importa o ritmo ou a direção, estou seguro de que tudo me fez um melhor caminhante e, por isso, um educador que hoje está melhor aparelhado e experiente, com um GPS mais apurado para indicar os caminhos. Decerto, há ainda muito a percorrer e muito a aprender nesta viagem. Mas, há também a ensinar. É justamente esta dinâmica que mais me atrai na vida de educador. Não acredito que exista outro profissional que aprenda tanto quanto aquele que precisa ensinar.
Olho para trás, nesta noite também regada a café, e vejo o jovem deslumbrado que fui. Um sujeito que não apenas queria salvar o mundo, mas que tinha certeza de que não demoraria tanto. Era só uma questão de tempo. Afinal, a arma da mudança eu já detinha: a Educação. Como são bonitos os sonhos juvenis! Hoje, mais maduro, sei que não dá para salvar um mundo que insiste em não ser salvo, mas dá para contribuir um pouco a cada dia para essa salvação. Como? Disseminando conhecimento e motivando jovens.
Vê-se que ainda sou um sonhador. Entretanto, tive que customizar meus sonhos.
Há uma frase de Heráclito da qual me lembro quase todos os dias: “Nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio, porque, na segunda vez, não são as mesmas águas, nem é o mesmo homem.” Por que citei agora esta frase emblemática?
Porque também acho que não é o mesmo rio depois do homem! O homem sempre modifica o rio. Ele sempre deixa algo de si nas águas que seguem.
A rigor, acredito que este é o papel fundamental do educador: deixar algum legado para aqueles que passam, mas não acho que isto é, por princípio, uma missão. As missões são feitas por missionários. Nós, educadores, não somos missionários, nem monges, nem devotos abnegados, somos absolutamente profissionais.
Este conceito de professor autossacrificado, gritando na praça “não me sequestrem, sou professor!” ou “Tenham pena do professor que é explorado e sofrido e miserável”, é patrocinado pelo mesmo sistema que não deseja o educador valorizado. Não há o mesmo discurso quando se fala de advogados ou dentistas. Por que nós somos os missionários e mais ninguém é? As outras categorias não merecem missões?
O fato é que precisamos conversar sobre autoestima, amigo!
Precisamos parar de uma vez com coitadismos e com este papo de “tenham pena de nós”!
Não espere que a sociedade vá nos valorizar por compaixão. Não houve nem sequer um direito de qualquer categoria que não tenha sido conquistado com muita luta e com a consciência do valor do profissional atuante na sociedade. Professor parece desejar pena, sei lá por qual motivo! Você acha que dá para se conquistar algo com esta ferramenta na mão?
A atitude mais inteligente que precisamos ter, e com urgência, é a de nos especializarmos. Não há nada comum e ordinário que seja valorizado. Só o que é raro e especial tem valor. E sabem o que é mais raro hoje na sociedade? Profissionais diferenciados! Profissionais preparados e capazes de entregas competentes, pontuais e fora do comum. Urge deixarmos de ser carne de vaca e nos tornarmos gourmet. Urge deixarmos de ser liquidação e nos tornarmos peça requisitada. Urge deixarmos de ser loja de departamentos e nos tornarmos alfaiataria, alta costura.
Urge (urgentíssimo!) que também tenhamos representantes nos parlamentos que nos ergam à altura que merecemos, nem mais, nem menos. Só o que é correto e digno.
Sabe quando isso vai ocorrer? Quando estudarmos muito e apresentarmos, realmente, excelência naquilo que fizermos. Um professor que não se qualifica é um guia que não conhece o caminho. Em outras palavras, é um mentor sem mentoria.
Depois (ou durante), há outro procedimento que precisa ser realizado: temos que nos organizar como classe e exigir os nossos direitos. Afinal, sabemos que só quem é beneficiado nesta indústria de massa da educação é o proprietário de escolas e faculdades. E devem ser eles os maiores interesados em perpetuar esta ideologia do missionário. E, pior é que somos nós, os próprios educadores, que estamos, há anos, engolindo e repetindo esta baboseira.
Pois eu lhe digo, meu amigo: eu não sou missionário coisa alguma. Também não sou mercenário. Apenas, exerço um ofício relevante e desejo ser remunerado de forma justa por ele.
Sou o que sempre fui: um educador. Não sou o melhor, nem o pior. Os predicados deste sujeito simples chamado Max Roger Franco Pompílio acolhem um repertório variado de adjetivos. Entretanto, sei dos meus valores e da minha vontade de fazer a diferença através meu trabalho. Espero tão somente uma chance de poder construir esta nova estrada. Uma estrada a qual desejo profundamente que seja a mais bonita de todas que já trilhei na vida. Um caminho onde eu possa caminhar aprendendo, ensinando e sendo feliz por fazê-lo.
Afinal, como ressaltei, educadores são guias.
É o que espero sempre ser: um condutor para um lugar onde as pessoas possam ser melhores e mais felizes. Esta é a minha profissão, e não missão.
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