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Crônica de aeroporto
06 de julho, 2018 - por Max Franco
Seguindo essa vibe de tentar não proferir o lugar-comum, vou passear por uma calçada escorregadia e tentar lançar um olhar diferente sobre uma impressão, muita vez, mistificada.
Antes, não deveras antes, mas antes pouco, eu cultivava uma imagem demasiado pasteurizada daqueles seres, os quais – acreditava eu – viviam no sétimo céu do Olimpo. Sim. Era o que eu pensava dos executivos. Aqueles indivíduos que, mesmo depois de horas de vôo, conseguem manter seus ternos impecáveis, sua barba sempre feita, seu ar de todo-poderoso sem qualquer mancha ou risco na pintura.
Executivo, para mim, tinha aquele porte eternamente altivo, ativo, produtivo e de um bocado coisa mais terminado com o sufixo ivo. Como a própria denominação o diz: Executivo.
Executivo que pode merecer essa alcunha deveria ter o cabelo do Super-homem. Por pior que seja o desafio que seja submetido, ele está lá: incólume!
Era essa a minha impressão.
E como o nome já diz, era isso mesmo: uma impressão, uma visão superficial, e para usar o termo certo, um preconceito.
Hoje, por força das minhas últimas atribuições, vivo dividindo salas de embarque com esses seres “superiores”, porém tenho percebido muitos detalhes, os quais, anteriormente, me passavam desapercebidos.
Observo que as golas de suas camisas não tão alvas quanto, antes, me pareciam, que os ombros dos seus ternos têm o péssimo hábito de logo-logo desistirem de qualquer simetria, que as suas malas de rodinhas projetadas para ocuparem com absoluta precisão bagageiros de aeronaves também costumam descascar nos cantos ou afrouxar nos lados, que os seus olhos que já avistaram tantas e tantas paisagens já não olham o mundo com tanta surpresa ou prazer, que nem tudo que brilha – de fato – brilha.
Eles nem se apercebem, coitados, que são vítimas do meu contínuo escrutínio, que os escuto suspirar quando confirmam aquela reunião em Curitiba, ou o treinamento em Porto Alegre. Que os avalio quando engolem seus almoços de negócios sem quase apreciarem o paladar do prato comandado. Que identifico a solidão dos seus dias, e das noites de quarto de hotel.
Wilde dizia uma coisa engraçada: “Só há duas tragédias: uma é que os seus desejos não se realizem. Outra, é que se realizem!”.
Não vou mentir, diversas vezes, desejei a vida desses cidadãos elegantes de pastas na mão. Atualmente, não deixei de almejar meus sonhos e querer meus quereres, mas já me dou conta de alguns sintomas das novas escolhas. É sempre assim com escolhas. Você afaga algo e despreza outro algo. Escolher é pagar contas. E algumas são caras.
Há detalhes da minha vida pregressa que hoje que me fazem uma falta danada. É o velho clichê: a gente só dá valor ao que falta. Clichê desgraçado de verdadeiro. Só o que é raro tem valor. Se a gente encontrasse Van Gogh’s em cada esquina, Van Gogh deixaria de ser Van Gogh. Se tivéssemos vinte mães ou dezessete pais, pais e mães não seriam tão valiosos. Se amigos (não vou usar o adjetivo “verdadeiros”, porque, para mim, amigo verdadeiro é pleonasmo!), portanto, se amigos brotassem do chãos, às pencas, eles não seriam tão fundamentais. É uma conclusão a que cheguei sobre a Vida, tudo que é importante é raro.
E se não é, deveria ser tratado como se fosse.
Eu escrevo isso a bordo de um Airbus, a caminho de Helsinki, na Finlândia.
Isso é um troço raro.
Valorizo cada instante, cada sabor, cada novo encontro, cada nova descoberta. Não me permito adentrar no mundo como quem pede licença, com olhar obsequioso, com trejeitos submissos. Ninguém dirá que saí da Parangaba e que a Parangaba saiu de mim. Não saiu. O povo da Parangaba é metido como o diabo. Não se deixa dobrar com facilidade. Levo a minha Parangaba interior para onde vou, até para a Escandinávia.
Também não me concedo a oportunidade de olhar o mundo com os olhos opacos dos cansados de horizontes, dos fartos de fronteiras, dos vencidos pelas rotinas dos trânsitos.
É claro que conhecer terras longínquas e povos exóticos sempre vai me ser algo instigante e atraente. O meu passageiro interno já provou que é tudo, menos passageiro.
Mas, atualmente, porque tudo muda e a mudança prova que estamos vivos, o comum também me é raro e, por isso, rico, precioso e essencial.
Senta-se aqui um garoto de dezesseis anos. A curiosidade e a intensidade todas do mundo pulsando nas suas veias. E a fome. A imensa fome dos jovens. Eu quando tinha a idade dele comia feito um evadido da seca. Eu me lembro. Eu comeria as paredes, se pudesse.
Eu contei um pouco do meu trabalho, das minhas idas e vindas por tantas latitudes. Ele me disse com um sorriso pura alegria nos lábios: – Isso é que é trabalho!
Eu o entendo. Eu também diria o mesmo. Eu ainda hoje digo o mesmo.
Mas nem tudo que brilha…
Quantas vezes no meu dia, queria apenas o calor de uma conversa amiga numa mesa de calçada? Sem networking, só a velha e boa amizade.
Quantas vezes, o arroz, o feijão, a farofa e o bife não me fazem falta?
Quantas vezes não escuto as risadas dos meus filhos nas risadas das crianças das praças, das ruas, de tantas ruas? E me viro quando ouço “pai” para descobrir, decepcionado, que não era o “pai” do meu filho. Ah, que inveja daquele pai que pode abraçar todos os dias as suas crias. Como seria bom que o soubessem.
Hoje, acho que sei o que importa ou não na vida. É clichê, eu sei, mas amar e ser amado é, de longe, o maior valor. O resto, a gente busca porque se distrai. Porque o brilho ofusca na estrada. Porque nem sempre o nosso gps pessoal indica tão bem o caminho que devemos caminhar. Porque somos tolos, fracos, superficiais e volúveis.
Porque sabemos – tão mal – ser.
Pois, mesmo assim deste jeito tão vacilante, eu quero saber quem sou. E quero que digam de mim, não o que fiz, ou por onde andei, mas que amei.
Que me conceituem pelas pessoas que amei, as quais são tantas, tão maravilhosas e tão especiais, que a minha vida deve ter valido a pena de ser vivida.
– Vívida e vivida.
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