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A estrada árida

30 de julho, 2018 - por Max Franco

Estrada para Buenos Aires – madrugada do 29 para o 30 de julho de 2012

É madrugada. Todos dormem no ônibus. Menos eu e o motorista. Ao menos, é o que eu espero. Motoristas dormindo enquanto guiam nunca é uma atitude demasiado saudável.
Enquanto ele não dorme porque trabalha, eu não durmo porque não trabalho. Isso mesmo: amanhã não trabalho, por isso posso me dar ao luxo de não dormir (cedo!)
Na verdade, acho que a minha cabeça padece do mal de nunca entrar de férias…
Pois aqui estou eu contradizendo a madrugada. Contrariando a noite que, com seu véu escuro, desce sobre as planícies abertas até onde posso entrever pela janela do ônibus que me leva para Buenos Aires.
Dessa vez, não escuto nada a não ser o ronronar do possante motor impulsionando o grande veículo. Na boca, o gosto agridoce de cabernet barato, mas honesto, que ainda me preenche as papilas.
Não tenho mais nada a fazer. Não tenho sono. Não tenho vontade de fazer outra coisa senão o que estou fazendo, que é registrar para mim mesmo as minhas  sensações e impressões. Não há cobertura de celular. Não tenho fome. Não há outras demandas nem reclames. A noite é minha.
O que eu posso dizer para essa minha noite?
Não sei bem o que dizer. Falta-me um tema. Aridez criativa justamente quando tenho todo o tempo do mundo é sacanagem!
O jeito é garimpar.
– Não estou triste nem melancólico. Deve ser pela ausência das (minhas) músicas.
Também, não me vejo exultantemente feliz ao ponto de desejar sair numa escola de samba.
A maioria das pessoas fica incomodada com o retorno ao trabalho. Isso também está longe de me aborrecer.
Tampouco me enxergo vazio ou mesmo pisando na calçada de alguma depressão.
Sorvo sem exageros um gole do trapiche que o camarero me presenteou. Para ganhar tempo. A fim de encontrar alguma iluminação.
Não é que me falte inspiração. Já superei essa fase da busca dessa fada verde chamada inspiração. Coitado de quem precisa de inspiração para criar qualquer coisa. O que me falta não é inspiração, mas, na verdade, sensação.
Eu não sinto nada. Nada me exulta. Nada me intimida. Nada me sobra. Nada inquieta ou incomoda.
Nada como uma boa mágoa, uma desgracinha aqui, uma dor de cotovelo acolá, para estimular a criatividade.
– Ostra feliz não produz pérola. – afirma Rubem Alves.
Meu amigo e escritor, Jeff Peixoto, é que diz que anda satisfeito demais para conseguir alguma produção literária respeitável.
O fenômeno musical, Adele, não se exime de declarar que os seus maravilhosos álbuns foram, ambos, criados a partir das emoções evocadas por términos de relacionamentos afetivos. Coincidência ou não, pelo que registra a imprensa especializada em fofocas, a artista passa por um feliz momento no campo amoroso. Será que é em virtude disso esse seu silêncio criativo?
Em suma: soframos?
Deveríamos nós, os criadores, procurar o sofrimento?!
– O poeta finge a dor que deveras sente. – vem me ajudar Pessoa. Obrigado, Fernando! Você nunca tarda nem falta. Você é sempre intenso. Nada seu exclui ou exagera. Você põe sempre tudo no que faz.
Dor é matéria-prima que nunca falta. Não é preciso catar ou se infligir sofrimentos.
Existir – de certa forma – sempre dói um pouco.
E sempre alegra, exulta, pulsa.
As emoções estão sempre à mão, basta ter olhos para ver e coração para sentir.