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Nem tente
18 de janeiro, 2019 - por Max Franco
“Ah, mas a sua vida é ótima!” – disse a ex-aluna que não via há anos na fila do embarque. – Vive viajando. Uma palestra aqui, outra acolá. Queria essa vida…
Ao que respondi igual a Bukowsky quando algum escritor iniciante lhe perguntava o que devia fazer para se tornar escritor. O poeta dizia sem rodeios: “Nem tente!”
Fui econômico na resposta porque não quis lhe dizer que há muito mais coisa entre o céu e a terra … afinal, ainda não tinha dormido nadinha. O voo marcado para as 4h30 da madrugada. Aquele tipo de horário que lhe dá medo de dormir demais e perder o voo. Ajustei alarme para as 2h30. Mas fiquei com medo, e aí fiquei rolando e netflixando naquele torpor entre o sono e acordado.
Eu poderia voltar mais um pouco e contar da montanha russa que é a vida de escritor-palestrante-consultor (ou o que diabos mais eu pretenda ser!). Não lhe contei que naquela mesma tarde, um sujeito havia revelado que um job bacana – sem mais nem menos – não iria mais rolar, contrariando completamente meus planos, minha agenda e a previsão de grana para o mês. Não lhe contei das noites em claro, dos medos pelos filhos ou da mãe com alzeihmer.
Não lhe contei, também, do quanto é difícil perfilar palavras seguindo fiapos de ideias, as quais, nem sei se virarão algo digno de ser lido.
Só mantive o sorriso teimoso no rosto e o misterioso “Nem tente!”.
Não obstante, a montanha-russa tem lá suas curvas sinuosas, suas subidas e descidas radicais. Porque poderia ter lhe contado do livro novo de contos que sairá ainda nesse ano. Poderia ter lhe contado do ex-aluno que, inadvertidamente, lhe telefonara dizendo “Max, tenho um grupo de 100 pessoas que desejo que conduza pela Itália por uma semana. Está livre em novembro?!”. Poderia ter lhe falado do convite para palestra em Teresina, ou em Uberlândia, ou em…
É que viver fora da zona de conforto é tomar, todos os dias, alguma injeção de adrenalina. Mas, injeções doem, não doem?
Meu amigo Joca costuma me acalmar me recomendando: “Não se acomode à uma vida delimitada. Você tem mesmo que ousar!”
Mas a zona de conforto tem esse nome por justa causa, enquanto a zona de desconforto não tem um departamento de marketing tão eficiente assim.
Por isso que digo, “nem tente”!
Mas, estou aqui nesse avião e o sol nasce do meu lado, como para me lembrar que o dia não espera por ninguém, que a Vida não tem nada reservado para mim, que o pão nosso de cada dia é ganho com luta, muita luta, e coragem.
Começa mais um dia e, por fortuna, hoje vou fazer o que gosto: vou ministrar um curso em Guarulhos. Me sinto relevante no que faço e fico feliz quando o faço. Mas a Vida é corda bamba e nem todo dia é fácil se manter equilibrado, e se manter em frente.
Às vezes, eu queria só um pouquinho de tédio. Alguma impressão (mesmo que seja falsa) de segurança. Mas optei por viver exilado da zona de conforto. Viver como outrora disse que queria viver, “quero ler, escrever, ler, e depois escrever, e depois falar do que li e escrevi”. Por que não o faz? – perguntou a Kelly Malheiros. “Porque tenho filhos que dependem de mim!”, “ E só gente sem filhos realiza seus sonhos?”. “Você era viciado na Sessão da Tarde, Kelly? A Vida não é uma comédia romântica com a Jennifer Aniston.”
A Vida é mais “Narcos” do que “Fantástica fábrica de chocolate” (Com Gene Wilder, é bem melhor!). A Vida é corda bamba!
Por isso, é sempre o risco não manter o foco a cada passo. Ele precisa ser dado com perfeição, da melhor forma que se consegue, concentrado. Há passos decisivos na vida de um sujeito.
Por isso, tenho me achado parecido com a aquele personagem do Matt Damon naquele filme “Perdido em Marte”, só que sem Marte e sem as batatas. Faz-se o quê? Você usa o que tem. Você improvisa! É aqui e agora, em um planeta habitado por vários nativos hostis. Contudo, por sorte, há também os vizinhos generosos, gentis e dedicados. “Todo mundo merece uma chance de realizar seus sonhos!”, me disse a Kelly e eu tive que esconder as lágrimas que me saltaram aos olhos. “Como você vai saber se dará certo ou não se não tentar?”
É o que faço agora, meio zumbi de sono, nesse voo para Guarulhos. Eu agarro com força, com toda a força que tenho, a minha chance. E tento.
Mas o que eu lhe diria, caso eu decida lhe contar:
– Nem tente!
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