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As uvas
07 de maio, 2020 - por Max Franco
Eu nunca andei nem na calçada de ser rico (nem classe média-média), mas posso dizer que a minha infância foi uma fase de gente pobre. Não de gente pobre-pobríssima, que passa fome, kit-miséria e tudo mais (ou tudo menos) , porém, sim, de gente pobre.
Pai, cabo reformado da marinha, mãe, dona de casa e costureira para segurar a onda, que não faltavam demandas para o três filhos.
Muito bem… [E bom avisar que esse não é daqueles textos clichês que relatam a história do menino pobre que depois ficou rico. Eu até adoraria que fosse esse naipe de narrativa e, principalmente, que fosse autobiográfico. A verdade é que é autobiográfico, mas sem essa parte deliciosa do “depois ficou rico”!).
Esse é um texto sobre uvas.
Isso: uvas.
Eu amava uvas. Uva de todo jeito: verde, rubi, vermelha, pequena, grande, cor-de-rosa… Sempre amei uvas. Uva é a marca da riqueza. Ricos comem uvas desde Roma antiga. Em Quo Vadis, Nero comia uvas, porque uva é coisa de rico. Eu, portanto, garoto pobre da Parangaba, queria comer uvas.
Mas…
Sempre há umas, não é? O famigerado, desgraçado, desapiedado mas é a pedra do sapato de qualquer história.
Na verdade, só há história porque há mas e, também, porém, contudo, todavia, entretanto…
O mas dessa história é que meus pais não tinham grana para uvas. A merenda era bolacha maria ou cream craquers, laranja ou banana, ki-suco ou tanjal. De tanto ki-suco morango na infância, acho que meu sangue é feito de ki-suco morango.
Mas eu sonhava com uvas multicores.
O tempo passou, porque é função do tempo passar.
Meu primeiro salário veio aos 18 anos: auxiliar de coordenação. Obviamente não era nada de encher os bolsos. Mas, me lembro muito bem com o que o gastei todinho. Comprei perfumes para a mãe e para o pai, algumas besterias para os irmãos, um disco do U2 e, obviamente, um quilo de uvas, verdes, inchadas, suculentas, sagradas.
Sozinho, comi-as de uma vez só. Cada uma mais satisfatória do que a outra. Cada uma mais compensatória do que a outra. Comi-as felizmente. Acredito que foi a vez que me senti mais rico em toda a minha vida. De la para cá, sinto-me muito menos.
Porém, ontem, em meio a essa confusão da pandemia gerada pelo vírus e da histeria causada pela política facínora do nosso país, decidi me presentear da mesma forma e com o mesmo recurso de tantos anos atrás.
Senti-me, mais uma vez, o mais rico da Parangaba, talvez da cidade, quem sabe do país.
Um quilo de uvas só para mim…
Lá pela metade, porém, olhei para o lado e não vi meu pai, não vi minha mãe, não vi meus irmãos.
Foi nessa hora que bateu uma saudade do tamanho do tempo do ki-suco sabor morango.
A Vida tem dessa coisas.
Vida não é matemática nem vem em cachos.
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