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O que devemos ser
04 de abril, 2016 - por Max Franco
A verdade é que não me ligo demasiado nas desconfianças.
Podem me chamar de ingênuo, crédulo, bobo, vascaíno… Não importa, mas não costumo esperar o pior das pessoas.
Tento esperar, no mínimo, nada. E, no máximo, nada ao cubo.
Mas, não espero que me ferrem.
Já me ferrei? Muitas vezes, lógico! A raça humana é pródiga em fornecer toda qualidade de produto. Dos piores aos melhores do mercado. Já me proporcionaram deslealdades formidáveis tantas vezes que poderiam ser calculadas com tabela excel.
Mas, desconfiar é sofrer antes do trauma e padecer o mal antes mesmo do malfeito. É garantir sofrimento prévio e partir para o almoço com a boca já amarga. É começar o namoro traído por antecedência e chorar pela decepção antecipada. É escolher uma vida de desilusão. Veja só que tolice, se a fantasia é tão boa!
Há quem prefira a surpresa da virtude. Eu não. Para mim, o susto vem sempre com o demérito. E explico fácil: a grande maioria das pessoas que conheci e com quem me relacionei na vida era de boa natureza. Com defeitos, é claro. Ainda eram pessoas. Mas, não tinham tantos assim mais do que eu. Alguns com defeitos amarelos. Eu com defeitos azuis. Alguns com os mesmos. Tem gente com muito ciúme das suas imperfeições. Coisa mais tola. Não sabem que defeito não é patrimônio exclusivo de ninguém?
É claro que há muita gente desprovida de grandes virtudes por aí. No mundo da política, por exemplo, parece que existe uma proibição quanto ao porte de decência. No congresso, deve haver uma espécie de raio-x para detectar dignidades. Se você quer entrar com alguma, lhe barram. Tem que colocar num armário e pegar na saída. Se é que consegue. Do jeito que ali tem punguista por ali.
Entretanto, por experiência, posso testemunhar a bondade da maioria. O problema é que o departamento de marketing do lado negro da força é mais atuante. Esse povo tem metas a bater, gráfico de produtividade, prêmios por perfomance, essas coisas. A maldade grita, enquanto a ternura sussurra.
Basta acompanhar os noticiários. Eu o faço diariamente. Deviam proibir más notícias por uma semana, um mês, uma vida. Dá vontade de mudar para Marte, já que encontraram água, e começar tudo de novo. Colonizar Marte de gente boa. Fazer um enem de caráter, criar uma comunidade pacífica em Marte e viver da nossa arte…
Dá vontade de desistir da humanidade. Perguntar a deus, caso ele exista e nos escute, o que viu em nós de tão bom que fosse digno do mínimo afeto.
Dá vontade de coisa pouco nobre.
Dá vontade também de não desistir das pequenas decências cotidianas. De ser civilizado e gentil com as pessoas só para contrariar as notícias do jornal. De dar bom dia, boa tarde e boa noite com sorriso no rosto. Um sorriso, eu sei, descontextualizado, teimoso, obstinado, quase revolucionário.
Dá vontade de abrir a porta para a moça, segurar o elevador para o vizinho, ser camarada no trânsito, selecionar o lixo, respeitar o diferente, cumprimentar o porteiro, ser francamente cidadão, patriota e honesto.
Mas, para quê? Porque é assim que a gente deveria ser. Não há méritos nem deméritos nisso. Não haverá medalhas nem bustos na praça. Mas é esse pouco cotidiano, diário, insistente e convicto que nos eleva ao posto que merecemos.
– Afinal, somos raça humana. Somos o que devemos ser.
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