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Vintage
20 de novembro, 2020 - por Max Franco
Há uma dessas piadas tão velhas quanto chamar de “broto” que trata da mulher que estava para ser atendida por um médico quando se deu conta de que o homem tinha sido seu colega de classe há mais décadas do que ela gostaria de admitir. Ela reconhece o antigo companheiro de escola, mas tentar refrear certo constrangimento porque o considera por demais envelhecido com as rugas e o cabelo embranquiçado que ostenta.
– Doutor Demerval, eu estou me lembrando de você. – disse a mulher sem cerimônias. – Você estudou no Educandário Pato Donald, não é verdade?
– Nossa! Não estou lhe reconhecendo. – disse o homem franzindo a testa. – A senhora era professora de quê?!
Essa é a questão quando entramos nessa seara da faixa etária. Idade não é algo que lhe concedam. Idade é algo que, querendo ou não, você tem.
Minha mãe, por exemplo, costuma nos perguntar se ela já aparenta que tem mais de 60 anos. Ela tem 86. Nós costumamos dizer que não.
Oscar Wilde, por sua vez, dizia que a tragédia da velhice consiste não no fato de sermos velhos, mas sim no fato de ainda nos sentirmos jovens.
Eis o problema: tornamo-nos irrevogavelmente velhos quanto mais queremos provar o contrário.
Um jovem não quer parecer mais novo. Ele não faz uso desse expediente porque não acredita que precise – ainda.
Eu – particularmente – sei que o meu RG atesta 1970, mas eu acho que é fake news, ou apenas é a opinião dele.
Quando foi, afinal, que passaram tantos anos sem que eu minimamente me desse conta? Não foi ontem que fiz 21? Depois, 32… e depois…(?)
Por que diabos esses cabelos (os que restam) insistem em perder a cor? Por que a mente pensa e o corpo demora a responder com a agilidade de outrora? Por que, depois de certa milhagem, cada quilo que você ganha insiste em nunca mais lhe abandonar? Tornamo-nos tão saborosos assim para que tudo queira fazer parte de nós, até aquele inocente pastel de nata que você devorou em menos de 8 segundos?
A Vida é estranha. E o pior é que acho que só vou começar a entendê-la quando ela estiver dobrando a esquina.
– Mas, você tem o espírito jovem?
Este é o pior elogio que se pode dar a um cara da minha idade. Quem quer ter espírito jovem? Espírito serve para quê? Dá para apostar corrida com espírito? Dá para subir em árvore, pular num cavalo, se jogar no rio, virar a noite com a turma tomando cerveja e comer sem se lembrar o termo “caloria” levando em conta algum espírito? E ainda mais eu que tenho gostos antigos desde que era muito jovem! Meu espírito já era envelhecido aos 18. Por isso, tenho a impressão de que, só agora, corpo e espírito estão empatando, na velhice.
– Não obstante, há vantagens na experiência, professor!
Na experiência, sim. Na velhice, só há uma: a alternativa. De fato, é melhor ser velho do que defunto.
Há – sim – compensações.
Depois de certa estrada, não é mais o volume que importa, mas o sabor.
Jovem mastiga e engole. O quê? Tudo.
Jovem não teve tempo ainda de saber que não tem todo o tempo do mundo. Que tempo escorre pelas mãos. Que hoje é hoje, mas amanhã é a década seguinte.
Mas a juventude tem vacina e se chama tempo. Depois de anos, aprende-se que só os jovens sabem de tudo. Velho, por sua vez, desconfia.
Eu, que já sou vacinado faz tempo, aprendi e desaprendi tantas vezes que nem sei. Hoje me digo menos sapiente do que já fui. Hoje sou aprendente.
Eu aprendi, por exemplo, a apreciar os gostos, as harmonizações, os aromas.
A música, depois de certo tempo, deixa de ser apenas ritmo e passa a ser cada um dos instrumentos. E letra, arranjo, harmonia e, claro, poesia. A poesia vem com o tempo. Poesia não se espreme sem alguns calos nas mãos, ou na alma.
E o sexo? Sexo deixa de indústria e vira artesanato. É manufatura detalhe por detalhe. É vinho degustado até a última gota. Até porque realmente pode ser.
Na minha idade, não é mais o quanto que importa. De quê? De tudo.
Não é com qualquer coisa que se perde tempo. Jovens acham que têm todo o tempo do mundo. Nós sabemos que não.
É sempre angustiante que alguns ainda percam tempo e deixem a torneira aberta a desperdiçar o único recurso que podemos chamar de luxo.
Depois de certa fronteira, o que surpreende não são mais as novidades, porque quase nada mais nos assusta. O que chama atenção é o canto de bem-te-vi, o florescer do ipê amarelo, o vermelho que se deita sobre o firmamento durante o crepúsculo, a compreensão tardia de uma canção da infância…
Quem dera se, em vez de velhos, nos tornássemos antigos. Tão antigos e imponentes quanto algumas árvores, quanto carvalhos e ciprestes. Estes, quanto mais velhos, mais belos e repletos de ramos que se estendem e espalham.
Não há mesmo muitas opções. Ou envelhecemos ou morremos.
Mas podemos ser velhos envelhecidos, desbotados, ultrapassados.
Ou podemos virar Casablanca, Poderoso Chefão ou Taxi Driver.
E, aí, sim, podemos viver esse período da melhor forma possível.
Em vez de saudade, nostalgia.
Em vez de retrô, vintage.
Em vez de arcaico, clássico.
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