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Quem salvará o mundo?
28 de dezembro, 2020 - por Max Franco
Jovens, envelheçam!
(Nelson Rodrigues)
Conta-se que o médico inglês Ronald Gibson, em palestra, citou quatro frases que demonstrariam pouca esperança nas novas gerações:
1. “A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a
autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos
filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando
uma pessoa idosa entra, respondem aos pais, são simplesmente maus”.
2. “Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a
juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é
insuportável, desenfreada, simplesmente horrível”.
3. “O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem
mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe”.
4. “Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens
são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de
antigamente…A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa
cultura”.
Ronald desejava, no entanto, provar um determinado ponto e foi o que fez quando revelou as autorias cada frase. A primeira frase, por exemplo, é atribuída a Sócrates (470-399 a.C.); a segunda é de Hesíodo (720 a.C.); a terceira, por sua vez, de um sacerdote do ano 2000 a.C.; a quarta foi encontrada num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilónia com mais de 4000 anos. Em outras palavras, já faz certo que a juventude atrai todo tipo de juízo.
A verdade é que a juventude sempre foi uma espécie de fetiche e, nos dias hodiernos, ainda é mais centro de debates. Afinal, pouca qualidade pode ser menos atraente do que ser chamado de velho, porque vivemos um período no qual todos aspiram pela juventude eterna. Não basta viver muito tempo. O que queremos é ser jovens até morrer de velhos. É a tirania da juventude, porque todos, absolutamente todos, querem ser, ou melhor, querem parecer jovens, inclusive os próprios.
A fonte da juventude eterna ainda não foi descoberta, porém a indústria do retardamento da velhice está de vento em popa com toda cosmética, condicionamento físico, nutrição e medicina necessários para atrasar o relógio biológico daqueles que tiverem condição e disposição de abrir seus bolsos e bolsas. Tudo para não merecer jamais ao qualquer alcunha relacionada ao estado mais atemorizante de todos, o da velhice.
Não obstante, da mesma forma que cevar preconceitos contra a juventude parece um equívoco há alguns milhares de anos, da mesma forma, colocar a juventude em qualquer altar, é igualmente arrevesado. Talvez não devêssemos cevar ilusões sobre quaisquer benfeitorias que sejam patrocinadas pelas novas gerações por um motivo bastante objetivo: será que os jovens de hoje são assim tão diferentes daqueles de antigamente (ou da antiguidade)? É da juventude o hábito da contrariedade. E da velhitude, contrariar-se. Desde quando? Desde quando existem jovens e velhos. Desde Caim, Zeus ou Loki, os quais se rebelaram contra seus pais. Desde que o primeiro sapiens pediu mesada. Desde que o primeiro veterano alegou que os jovens não sabiam de nada, que só queriam direitos e, nada, de deveres.
Há um pensamento corrente que gourmetiza o conceito de juventude que prega que “os jovens salvarão o mundo”, uma afirmativa que é tão pretensiosa quanto acreditar que, ao invés, darão “P.T” nesse mesmo mundo. Mesmo porque o mundo já estava perdido muito tempo antes dos nascimentos dos velhos de hoje. Além do mais, quem disse que este mundo tem algum mero desejo de ser salvo?
Há, inclusive, quem alegue que os jovens atuais têm discursos aprumados quando tratam de questões relacionadas às causas sociais mais em voga, tais como feminismo, machismo, racismo, justiça social e ambientalismo, mas apresentam certa dificuldade de migrar das palavras para a ação concreta no cotidiano. É aquele pessoal que redige textões nas redes sociais denunciando as queimadas na Amazônia, mas que não recolhe o próprio lixo depois da balada na praia. Que promove crowfunding ou abaixo-assinados para salvar as baleias, todavia não arruma a própria cama. Que se revolta com a miséria do bairro ao lado, contudo não cumprimenta o porteiro nem trata direito o garçom.
Sustentabilidade, igualdade, empoderamento, preservação, veganismo… Eis as palavras e terminologias que habitam as mentes e as bocas de muitos dos jovens contemporâneos. Ninguém questiona a legitimidade dessas causas. A verdade é que até demoraram demasiado para se tornarem jargões comuns. Afinal, quanto mais se tornarem corriqueiras, mais rapidamente se tornarão compulsórias nos comportamentos.
O problema, entretanto, não está nos discursos. Mas, nas ações comezinhas do dia a dia. É que falar e postar nas redes são atitudes sempre mais fáceis e instantâneas do que encarar uma pia cheia de pratos ou arrumar a cama.
É bem provável que você, sendo jovem ou achando que é, fique aborrecido com a natureza dessas linhas contraditórias. Sabemos que jovens e velhos têm algo em comum: ambos odeiam ser contrariados. Ambos sabem todas respostas. Os velhos, porque têm experiência. E os jovens, porque não são velhos. Porque sabem usar bluetooth. Porque leram algo no google. Porque sabem programar em pyton.
É possível, portanto, que você, sendo jovem ou querendo sê-lo, considere bisonhas tais alegativas, porque você e a sua startup de entrega rápida de açaí orgânico com vasilhas biodegradáveis estão ajudando a salvar o mundo com todas as boas intenções do planeta.
É claro que está. Mas será apenas o Tempo que vai comprovar se os seus esforços são somente reflexo de uma moda em voga ou se, realmente, se transformarão em iniciativas de vulto relevante ao ponto de fazer alguma diferença. Discursos bem intencionados também não são patrimônio da juventude atual.
Todavia, de maneira geral, a culpa é mesmo das gerações anteriores. Afinal fomos nós que formamos e educamos ou deformamos e deseducamos as gerações vindouras. Nós fomos competentes em dar sequência a todo tipo de mazela que caiu no nosso colo e, principalmente, não conseguimos evitar de deixar certas heranças malditas para os nossos filhos de netos. Em compensação, também não podem nos imputar inteira responsabilidade das desgraças que imperam em todas as latitudes terrenas. Não merecemos essa honra. A verdade é que não inventamos nossos preconceitos nem conceitos. Não criamos a nossa forma rude de pensar, agir e se relacionar com os demais e com o mundo. Nós somos os jovens de ontem. Somos aqueles que gritaram, várias vezes, que iríamos mudar o mundo. Somos a geração coca-cola, cara-pintada, alma lavada e pronta para secar no varal ao sol. E nos sujamos tão bem quanto qualquer outra antes de nós.
Por que as gerações futuras serão diferentes?
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