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A Arte que nos alivia e consola

17 de janeiro, 2021 - por Max Franco

Pois é… Sei que está uma barra suportar a realidade. A cada semana que passa, os nossos dias parecem mais e mais com um filme de terror dirigido pelos Irmãos Coen, sem o humor dos irmãos Coen.

Por fortuna, temos atualmente recursos que nos apontam alguma janela de fuga do cotidiano. Afinal quem não precisa de algum entretenimento que nos traga alívio ou consolo? Não é de hoje, porém, que a Arte e, também, o esporte assumem este importante papel. Ferreira Gullar dizia que “A arte existe porque a vida não basta” Nietzsche, por sua vez, joga ainda mais pimenta nesse caldo e declara que “A arte existe para que a realidade não nos destrua”.

O fato é que a Arte existe e nos compreende, acalenta e inspira como poucas outras expressões humanas. Nas atualidades dos 20.21, tornou-se ainda mais fácil acessar alguma manifestação artística. É a arte instantânea, automática e, cada vez, mais customizada a fim de atender às demandas de cada público. Se quer ler um livro, simples: basta você baixar um livro no seu aparelho celular. Muitos, inclusive, são gratuitos. Se quer conferir um espetáculo de dança, um show de música ou determinadas orquestras filarmônicas, também não é complicado. O Youtube têm milhares à disposição. Quer assistir a filmes ou séries? Mais fácil ainda.

Essas práticas viraram algo tão natural que nem sequer nos lembramos do quanto são recentes. Há pouco tempo, era muito mais difícil o acesso a diversas manifestações artísticas. Eis uma das grandes maravilhas patrocinadas pelas tecnologias atuais. Elas democratizaram as oportunidades. Não de todo, mas muito.

Não quero fazer apologias a qualquer atitude de alienação, porém  da mesma forma que não dá para ser o tempo todo good vibes em meio ao redemoinho no qual nos metemos, também não dá para estar ligado o tempo inteiro no 220. Todo mundo precisa de pausas.

E falando em pausas, nada melhor do que uma boa história, ou, na verdade, do que boas histórias, não importando a plataforma. Pode ser livro, série, filme, documentário…

Livros ainda são a melhor forma de aprender se divertindo (ou de se divertir aprendendo) que existe, ao lado de viajar. Neste período, alguns livros merecem  recomendação. Entre eles, a primorosa adaptação em quadrinhos de Sapiens, a qual, invés de oferecer um café requentado, consegue acrescentar ainda mais sabor ao livro best seller de Yuval Harari.

O período foi propício para ler ou reler obras clássicas que ganharam status neste período por razões óbvias: “A peste”, de Camus; “O príncipe”, de Maquiavel; “O homem do subsolo”, de Dostoievsky; “1984”, do Orwell… obras que, de uma forma ou de outra, apresentam muita sinergia com o que a humanidade tem que lidar nos momentos atuais. Merecem destaque outras obras de autores contemporâneos, mas que reputam de uma escrita: “Labirinto do espíritos”, do Carlos Ruiz Safón; “O crepúsculo e aurora”, do Ken Follet; “A espada dos reis”, do Bernard Cornwell; “Uma terra prometida”, do Barack Obama e (qualquer coisa) escrita pelo Cristovão Tezza. Em particular, recomendo “Juliano Pavolini” e ” O filho eterno”.

2020 e 2021 não estão provendo, particularmente, uma safra muito sortida de filmes. Alguns nem sequer foram para os cinemas, esteando diretamente nos canais pela internet. Mulher-Maravilha 1984 e Tenet, do velho e bom Nolan, chamaram atenção, mas foram as plataformas de streaming que mereceram maior atenção neste período. Filmes como “O poço”, “Rosa e Momo”, “Old Guard”, “O rei”, “A casa”, “A voz suprema do blues”, “O diabo de cada dia”, “Mank”, “Resgate”, “Enola Holmes”, “Os 7 de Chicago” e o excelente “Céu da meia-noite”, estrelado pelo veterano George Clonney.

Um filme recente que chama bastante atenção é “Soul”, da Disney/Pixar. Mais um daqueles filmes que inspira risos às crianças e lágrimas aos adultos. E, além de lágrimas, reflexões. Afinal, Soul é uma produção da Disney que traz um protagonista negro. Iniciativa das mais atuais e pertinentes. Outra proposta de Soul é justamente questionar essa ideia de “propósito” tão onipresente nos tempos hodiernos, principalmente nos habitats corporativos. Soul apresenta um enredo subversivo para os nossos dias. Sartre decerto aprovaria, porque a influência do existencialismo é clara. Para os roteiristas de Soul, ninguém nasce com com um propósito pétreo e cravado na alma até o fim da vida. Não precisamos nem de propósitos enormes, “de saltar a vista”, nem de persegui-los até o último instante. Propósitos podem e devem ser revistos. Propósito é escolha e não uma condenação eterna. Propósito é coisa que escolhemos, mas, depois podemos desescolher. Não somos escolhidos por eles da mesma forma que não há nada escrito ou determinante para cada um de nós. Somos – como diz Sartre – condenados à liberdade. Vale conferir.

O período recente, porém, foi pródigo em oferecer diversas séries que merecem a nossa atenção, seja porque prometem um bom divertimento, seja porque, várias, oferecem discussões atraentes e contemporâneas. Podemos citar diversas que têm essas características: “The boys”, “Expresso do amanhã”, “You”, “Lúcifer”, “Peaky Blinders”, “Ozark”, “The sinner”, “The head”, “The crown”, “Último reino” e, ainda, dignas de nota, a season finale de “Vikings”, a perfeita “Handmaid’s tale”, a revelação “O Gambito da rainha”, “Lupin”, que é uma homenagem à literatura, “Mandalorian”, a qual – dizem – que é mais Star wars do que os últimos Star wars e, é claro, a coqueluche do momento: “Cobra Kai”.

A websérie baseada nos filmes da trilogia Karate Kid estreou em 2018 no YouTube e conta o que ocorreu com Johnny Lawrence (William Zabka) e Daniel LaRusso (Ralph Macchio), demonstrando que a rivalidade entre os dois nunca acabou. A série criada por Jon Hurwitz, Hayden Schlossberg e Josh Heald e foi comprada pela Netflix e já vai para a 4a temporada.

O sucesso de Cobra Kai se fundamenta nas mesmas bases do sucesso dos anos 80. Além de uma gorda dose de nostalgia, que garante o interesse dos mais velhos, temos discussões que têm atraído a atenção da galerinha jovem. Apesar de carecer de técnica apurada de karatê, o karatê está em pauta o tempo inteiro. Observamos as diferenças de postura entre os personagens que polarizam a história, como também conseguimos entender quais são os motivos que explicam os comportamento de cada um deles. Talvez esteja aí a razão pela qual Cobra Kai faz tanto sucesso: a humanidade identificada na complexidade dos personagens.

Livros, séries, filmes… O ser humano não mudou nada nesse aspecto. Sempre amamos histórias. Hoje, elas estão mais acessíveis, só isso!

De fato, enfrentar pandemias e isolamento sociais nunca é coisa fácil. Entretanto, imagina como seria sem estes alívios e consolos que hoje temos. Por sorte temos as tecnologias modernas e também temos os velhos contadores de histórias.