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O Jardim da vida
11 de julho, 2021 - por Max Franco
O título é meio brega, eu sei. Aceito a denúncia de cringe desta vez e espero que só desta.
Para dizer a verdade, o termo cringe é – por si só – bastante cringe.
Mas, procurei outro que dissesse o que eu queria dizer e só achei este. Então, na falta de um melhor vai este mesmo.
O fato é que poucas alegorias funcionam tão bem como metáfora para a vida do que aquelas relativas ao cultivo da terra. Jesus bem o sabia e apelava amiúde para tais analogias.
Mesmo não sendo, particularmente, religioso, não tenho como negar a relevância da doutrina cristã sobre a cultura ocidental.
Vejamos, por exemplo, a “parábola do semeador”, em Mateus 13:
“Naquele mesmo dia Jesus saiu de casa e assentou-se à beira-mar. 2 Reuniu-se ao seu redor uma multidão tão grande que, por isso, ele entrou num barco e assentou-se. Ao povo reunido na praia 3 Jesus falou muitas coisas por parábolas, dizendo: “O semeador saiu a semear. 4 Enquanto lançava a semente, parte dela caiu à beira do caminho, e as aves vieram e a comeram. 5 Parte dela caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotou, porque a terra não era profunda. 6 Mas quando saiu o sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz. 7 Outra parte caiu entre espinhos, que cresceram e sufocaram as plantas. 8 Outra ainda caiu em boa terra, deu boa colheita, a cem, sessenta e trinta por um. 9 Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça!”
Estou tratando deste tema por uma razão objetiva. Poucos sabem, mas já trabalhei como jardineiro anos atrás. Para ser mais específico, 30 anos atrás. Por que me lembrei deste episódio? Porque, talvez, um sinal de velhice seja ter um retrovisor mais apurado. E, como diz o velho Rubem Braga, “Ultimamente têm passado muitos anos”. Estou muito ciente destes anos e, a cada dia que passa, velhas fotografias amareladas pelo tempo ganham mais cores.
Eu comecei a trabalhar muito cedo. Aos 15 anos ministrava aulas particulares. Aos 16, fazia estágio em agência de turismo. Entrei pela primeira vez em sala de aula como professor aos 17. Desde então, não mais deixei a labuta. Porém, aos 20, apertei o freio e fui viver uma aventura: primeiro passei um mês em São Paulo, depois Rio de Janeiro, Recife, Roma e, por fim, Loppiano, uma pequena comunidade rural no coração da Toscana, há 30 minutos de Florença, onde vivi por 9 meses.
Em Loppiano, estudei língua italiana e teologia. E trabalhei. Em nada muito glamuroso. Primeiro, numa fábrica de medidores de energia, depois fui fazer brinquedos e, por fim, trabalhei em funções pouco administrativas em mercadinho. A verdade é que eu descarregava os produtos dos caminhões, colocava preço nas coisas e abastecia as prateleiras. O que aprendi com estas atividades profissionais? Que a humildade é importante para edificar a alma humana e que estudar é mais importante ainda para que um sujeito não precise fazer estas atividades 8 horas por dia, anos a fio.
E a jardinagem?
Isso foi antes, quando morei em Vargem Grande Paulista, em São Paulo.
Lembro-me do frio das manhãs, do carrinho de mão enferrujado e da tesoura de jardinagem que me calejava as mãos de estudante. Lembro-me, também, de algumas conclusões às quais cheguei logo nos primeiros dias de ofício: “erva daninha cresce fácil e rápido”, “plantar exige dedicação” e, principalmente, “A Vida não admite o Nada.
Sempre vai haver alguma coisa, mas se você quiser que seja positiva, vai depender das suas mãos, porque, geralmente, nada de bom ocorre por acaso. Por acaso, só cresce e viceja mato.
A metáfora, portanto, é óbvia e por isso o título do texto (cringe) também.
Não há nada digno de relevância que se plante com facilidade na nossa vida. Erva daninha, por sua vez, cresce com desenvoltura enorme.
Para que algo de valor nasça, cresça, floresça e dê frutos, demanda trabalho, dedicação diária, água, sol, nutrientes e tempo. Em compensação, pouca coisa nos dá tal orgulho do que contemplar os bons resultados de um trabalho bem feito. Só há legítima satisfação quando temos nas mãos a apuração dos nossos esforços. Erva daninha cresce apenas pelo descuido. Mas, sempre cresce algo no terreno, a questão é o quê.
Da mesma forma é o caráter. Se houver dedicação, preparo e boas sementes, algo maravilhoso pode nascer e crescer naquela terra. Se houver apenas desleixo, não haverá vazio, mas terreno baldio, um território propício para todo tipo de pestilência.
Do mesmo jeito, é a Vida.
Nem sempre colhemos o que plantamos. Mas, colhemos, decerto, o que deixamos de plantar.
Para concluir, cai muito bem a sequência daquele trecho do evangelho de São Mateus:
Os discípulos aproximaram-se dele e perguntaram: “Por que falas ao povo por parábolas?”
11 Ele respondeu: “A vocês foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. 12 A quem tem será dado, e este terá em grande quantidade. De quem não tem, até o que tem lhe será tirado. 13 Por essa razão eu lhes falo por parábolas:
“‘Porque vendo, eles não vêem
e, ouvindo, não ouvem
nem entendem’[a].
14 Neles se cumpre a profecia de Isaías:
“‘Ainda que estejam sempre ouvindo,
vocês nunca entenderão;
ainda que estejam sempre vendo,
jamais perceberão.
15 Pois o coração deste povo
se tornou insensível;
de má vontade.
Em outras palavras, para que serve o storytelling ou as metáforas?
-Para que as pessoas entendam.
Para que a semente dê frutos.
Para um sujeito não-crente, pareci bastante crente, não foi?
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