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Granada – dia 3
16 de novembro, 2021 - por Max Franco
Granada, dia 3
– Eles não podem ver um morro aqui que já colocam alguma coisa em cima. E quando falo em “alguma coisa”, falo de coisa grande, hospitais, palácios, museus, universidades…
– Inclusive a que você frequenta, não é, filha?
– Por isso, vou de ônibus.
E fomos mesmo.
A noite tinha sido especialmente fria. Devo admitir que é mais penoso sair da cama quando está frio. No Ceará, por sua vez, o sol se levanta sempre cedo, disposto e nos empurrando para a Vida.
Saí para o supermercado porque a Ingrid estava precisando de algumas coisas para o café. Ela ficou em casa se arrumando para a aula e fazendo o nosso desayuno.
Não demorou e já estávamos a caminho da Universidade. Tenho sempre a impressão de que, apenas pela nossa forma de se vestir, já entregamos que somos brasileiros. É que da mesma forma que turista gringo quer parecer “tropical” vestindo camisa florida, bermuda estampada, tênis e meia social, boné e se lambuzando até a alma de protetor solar, brasileiro, por mais que se esforce, parece sempre meio ensacado dentro de roupas de frio. Elas nunca nos caem verdadeiramente bem. Aí, fica na cara que somos estrangeiros. E, no 1o mundo, há 2 tipos de estrangeiro: o que vem de cima do Equador e o que vem debaixo. Consequentemente, há duas formas de olhar, agir, falar e se comportar com estes sujeitos. Granada, mesmo sendo uma cidade acostumada com estudantes de diversas latitudes do planeta, não está completamente livre de xenofobias.
Além disso, há uma prática das mais interessantes entre primeiromundistas: eles se dedicam – sei lá por qual motivo – a fazer comparações entre as dificuldades deles e as nossas. Por sinal, o ato de reclamar dos respectivos problemas nacionais é hobby de portugueses, italianos, franceses, espanhóis… Entretanto, deve ser algo desagradável (para eles!) quando nos ouvem falando dos nossos problemas nacionais, porque eles não conseguem – nem perto – ganhar no quesito desgraça geral. A questão é que qualquer brasileiro, não totalmente alienado, observa com facilidade que as condições socioeconômicas e de qualidade de vida na Europa, por pior possam ser, estão patamares acima das nossas.
Era sobre essas circunstâncias que matutei na cafeteria da universidade enquanto a minha filha assistia à aula. Depois descemos o morro a pé e fomos para o seu apezinho. Ingrid não é nenhuma master chef, mas nos fez um carbonara de primeira linha.
Depois do almoço, fomos (de ônibus) para o Miradouro de São Miguel contemplar mais um por do sol sobre a cidade de Granada e ter outra visão do Alhambra.
Consegui convencê-la a voltar caminhando e acabamos fazendo os 10 km com tranquilidade. Ainda não conheci outra forma de se conhecer bem uma cidade que não seja a pé.
No caminho, tratei de provocá-la com as minhas impressões sobre terapias psicológicas:
– Filha, nestes anos de vida, de fato-de fato, nunca vi ninguém melhorar em virtude de terapias. Hoje, ainda mais, com tanto charlatão no mercado. Hoje, qualquer um é terapeuta. E ainda existem esses papos de florais, cromoterapia, constelação… O que vejo é um bocado de gente justificando suas neuras porque seus pais trabalhavam demais, explicando detalhadamente as teorias sobre suas psicoses e se considerando pessoas melhores porque fazem terapia há séculos. Em outras palavras, gente igualmente sacana, mas terapeutizada. É canalha com fundamentação teórica.
– Pai, é que não dá para colocar todo mundo no mesmo balaio. Há terapias e terapias, psicólogos e psicólogos, abordagens indicadas para determinadas questões e, claro, pacientes e pacientes. Há gente que seria ainda pior se não fosse o tratamento.
– Ave… Ainda pior?
É claro que a maioria das coisas que lhe dizia era apenas provocação. A maioria…
Depois da longa estrada, pedimos dois kebabs na esquina e partimos para as camas quentinhas.
-Eu te amo, filha! – disse antes de dormir. Mas a verdade é que costumo dizer “amo” sempre para as pessoas que amo. Afinal, nunca sei quando será a última vez.
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