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Os números
19 de abril, 2022 - por Max Franco
Hoje fiquei feliz ao encontrar, caminhando pelas ruas de San Andrés, uma moeda de 50 pesos colombianos.
É bem verdade que não se compra nada com 50 pesos colombianos. Um copo de água, em lugar dos mais modestos, custaria 2 mil pesos.
O achado, porém, me despertou algumas cogitações.
Já confessei outrora que não sou de números. Não sou competente nem para trabalhar nem para acumular em contas bancárias.
Bem que gostaria de sê-lo ou minimamente aprender algumas noções da arte de lidar com dígitos.
Há, entretanto, alguns números que me são caros e dos quais sei que tenho:
– 19.059 dias de uma vida repleta de vida e de vidas;
– 40 países visitados;
– 11 livros escritos;
– Uns 10 amigos que sabem exatamente quem sou e, mesmo assim, são;
– 1 livro lido por semana depois dos 14 anos;
– 1 mãe que devotou a vida aos filhos;
– 1 pai que me fez amar histórias;
– 2 irmãos sem juízo;
– 2 filhos que me dão sentido aos demais números;
– 1 mulher que me faz ser um homem melhor e crer no amor.
Não sei se todo mundo tem, ao menos, um primo rico. Eu tinha. E pior que era aquele naipe de primo pacote-completo, rico, bom aluno, promissor; enquanto eu era perto do contrário e, por isso, pobre, ruim de matemática e despromissor.
Havia uma coisa boa, porém, no primo rico: ele me deixava ter acesso à sua biblioteca recheada de HQs e livros juvenis. Ele dispunha, por exemplo, de uma coleção da Disney que tinha uma proposta das mais simpáticas. Os personagens da Disney viajavam pelo mundo vivendo aventuras enquanto se tratava da cultura de diversos países. Quem apresentava a Itália era o Professor Pardal. Portugal, a Margarida. E daí por diante. Lembro-me de ter lido diversos daqueles livrinhos instrutivos.
Talvez tenha nascido ali essa vontade de rodar o mundo.
Depois fui para Conan Doyle e seu famoso detetive Sherlock Holmes. Depois, Agatha Christie. E muitos outros autores de relevância mundial passaram diante dos meus olhos e me convidaram a segui-los. O resultado não poderia ter sido diferente, quanto mais lia, mais queria conhecer os lugares contemplados pelos escritores que amava.
Talvez tenha sido nessa feita que decidi por o pé na estrada sempre que possível.
Pois hoje coloco os pés no 40o país. Nossa! Para as minhas condições financeiras aos 12 anos (e talvez ainda!), almejar ao menos um país já era ousadia, imagina 40.
Mas – preciso ser mais preciso – ou, como diz Fernando Pessoa, “Navegar é preciso, viver não é preciso”, o fato é que não são 40 e, sim, 41. Contudo, enquanto as pessoas cotidianas perdem chaves do carro, carteiras e celulares, eu perdi um país. Eu tinha 39 quando fui ao Paraguai e fiz a conta, um por um, com os meus. O problema é que não somavam 39, mas 38. Em resumo, perdi um país inteirinho. Não me lembro dele. Ele evaporou por completo. Meu filho me disse que eu tinha contado errado antes. Já confessei minha rixa antiga com os números. Porém não acredito. Eu tinha e extraviei. Agora, estou pondo a Colômbia no lugar. Se alguém achar o meu país perdido por aí, por favor me devolva.
Decerto não era nada tão notável quanto a China ou o Canadá, mesmo que Mônaco e Liechtenstein não mereçam contagem só porque são pequenos. País é país, ora.
Pois hoje, ponho os pés na Colômbia de Gabriel Garcia Marques e Botero. Aumento com isso a única coleção que faço: carimbos de passaporte. Não o faço por desumildade, mas apenas para atender aos desejos do menino de 12 anos da Parangaba que não tinha muita coisa além de sonhos. Até hoje, sigo os passos daqueles que li. Até hoje, escrevo sobre os passos que dei. Até hoje, caminho sobre as letras.
Com toda a sua avidez por conhecer, Rebeca é a melhor companheira de viagem. Acredito que teremos muita milhagem juntos.
Minha filha, Ingrid, por sorte ou DNA, segue estes passos e está há quase um ano na Europa. Meu filho, Arthur, quer a mesma coisa: descobrir, vagar, conhecer in loco, sentindo o gosto e o cheiro dos lugares, porque lugares têm suas peculiaridades, e gentes, e sons, e tipos, e vida, muita Vida, plural Vida, Vida de toda cor.
Quando a Morte me encontrar no meio de alguma estrada, quem sabe numa esquina, em movimento, ela também vai pedir meu passaporte e conferir minha bagagem? Não sei.
Sei apenas que, dessa vez, devo ser multado por excesso de bagagem.
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