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Uma ode à Beleza
18 de novembro, 2022 - por Max Franco
Se existe um deus, ele está na Beleza.
Este é um pensamento recorrente que sempre me vem à mente quando sou, irrefutavelmente, exposto à Beleza.
Infelizmente, nesses tempos estranhos e belicosos nos quais estamos inseridos, exposições à Beleza ocorrem cada vez mais raramente, tanto que chego a pensar, mais do que deveria, se há apenas feiuras, fealdades, vilezas, tristezas e bizarrices no planeta. Mas isso só me ocorre nos dias nos quais a humanidade exagera na dose de infâmia que lhe é tão natural, isto é: nos dias de segunda a segunda.
Entretanto, por fortuna e generosidade da Rebeca, ontem mantive contato direto e ininterrupto com a Beleza por duas horas seguidas. Veja só que privilégio! Isso porque tive a sorte de acompanhar o show da dupla norueguesa Kings of convenience em seu show em São Paulo. Um momento de tal fruição que causou orgasmos múltiplos nos meus ouvidos em todo o tempo no qual sucedeu e na memória depois do sucedido.
Conheci KOC e, desde já o amei, quando escutei – por acaso – Misread, em 2004. De lá para cá, muita gente me decepcionou, mas os músicos das frias terras vikings, jamais. Cada música da dupla me trouxe, sempre mais, admiração e contemplação. KOC é um deleite para a mente e para os ouvidos, além de um lenitivo para a minha ansiedade crônica. Por qual motivo? Essa é justamente a questão, a Beleza não precisa de porquês.
Essa é uma característica da Beleza. Ela prescinde de justificativas.
Para Oscar Wilde, um esteta da cabeça aos pés: (…) E a beleza é uma das formas do gênio, a mais alta mesmo, pois não precisa ser explicada. A Beleza para Wilde, então, é algo absoluto, inclusive superior à inteligência. Wilde sempre foi wild e morreu consumido pela Beleza tendo se atirado, sem reservas, aos seus braços durante os seus poucos anos de vida.
O Belo – porém – é relativo! – alguém me dirá.
Um quadro de Picasso jamais pode ser chamado de belo. A Guernica não é bela! Picasso, inclusive, dizia que a sua Arte não existia para decorar paredes de apartamentos.
Pois eu diria e sustentaria: é bela, bela e inteiramente bela, bela de beleza agressiva, crua, flagrante e pulsante. Só não é a beleza dos salões de visita. É a beleza das verdades humanas! Verdades que também são repletas das mais diversas tragédias, lacunas e perguntas sem respostas.
– Ó beleza! Onde está tua verdade? – perguntava Shakespeare.
Talvez não exista a priori. A Beleza sempre se vê, nem que seja depois. Talvez só com o tempo repercuta, saltite e fique lá ricocheteando no oco das nossas almas. A Beleza, mais do que está, ela é.
Chaplin, outro devoto deste altar, dizia que a beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontrá-la, mas quem consegue descobre tudo.
Da Vinci, por sua vez, entra na discussão afirmando que a mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza em vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação.
Dostoievsky conclui declarando que a beleza salvará o mundo.
Quem sou, então, para agregar mais alguma qualidade à Beleza? O que teria para dizer sobre a Beleza, depois de tudo que tantos disseram dela, e fizeram por ela. Além de tudo, a Beleza não precisa nadinha de mim para ser bela.
Não obstante, posso teimar e propor uma pequena, quase mísera, reflexão acerca da Beleza:
Embora sejamos pródigos em estragar tudo o que há de belo que exista no mundo, ainda somos os únicos que sabem apreciar a Beleza. Animais, insetos e plantas não produzem nem sequer apreciam Arte. Animais, insetos e plantas são completos em si mesmos e vivem fisiologicamente. Já os humanos carecem e, como carecem, angustiam, padecem e duvidam, precisam de Arte e de Beleza, e de Deus.
Saramago dizia que era o pior ateu que existia, porque todo dia procurava deus, mas não o achava.
Gostaria de dizer ao gênio lusitano que, caso se dispusesse, poderia tê-lo facilmente encontrado à medida de um braço, nos próprios textos, na beleza da sua obra. Porque deus não está na Beleza. Deus é Beleza. Deus é a beleza dos atos honrados, o olho no olho, a sinceridade da alma, a gentileza das bondades, a generosidade das entregas, as amizades mantidas, o amor mútuo, o sorriso dos filhos, o afago dos pais, a justiça das igualdades, a igualdade de justiça, os trabalhos bem feitos, as letras de Chico, Caetano, Djavan, Gil, Alceu, Vinicius e Belchior, as tintas de Van Gogh, Portinari, Renoir, Monet e Modigliani, os traços de Niemeyer, Gaudi e Calatrava, as palavras de Clarice, Florbela, Pessoa, Guimarães, Graciliano, Machado, Veríssimos e verdadeiros poetas e escritores de antes e de agora. A Beleza existe, graças aos deuses, aos homens, às mulheres e à Natureza. A Beleza está aí para ser vista, escutada, tocada, repetida, reconhecida, aclamada e admirada. A Beleza, por fortuna, existe e nos redime, nos salva, nos eleva e promove. A Beleza pode mesmo salvar o mundo.
Observamos mais uma vez este advento da Beleza Absoluta e Divina quando acompanhamos a despedida da “Voz de Deus”. Milton deixa os palcos. Deus envelhece, perde a voz, mas será eterno enquanto existirem ouvidos para escutar.
É algo que me veio nesses dias. Um pensamento lúcido, quase cristalino, sobre o período que vivemos, sobre essa gente isenta de doçura que vaga pelas ruas e atulha as filas e as praças das cidades. Uma gente em que a sensibilidade não pisa a calçada. Gente de gentileza econômica, animosa e irada. Gente sentida e ressentida que prega a cisma, que ama o ódio, que dança insensível ao redor dos excluídos e mortos de fome das periferias. Gente que quer gente nessas periferias. Gente que diz “essa gente” como não fosse a sua. Gente que se acha mais do que gente. Gente que se vê regente.
Essa gente não escuta Milton. E se escuta, não ouve. E se ouve, não entende. E se um dia entendeu, se esqueceu.
Essa gente perdeu a sensibilidade em alguma esquina de outrora. Essa gente não sabe quem é Deus. Ou acha que eles mesmos são Deuses. É gente que acha que jamais vai morrer.
Milton, por sua vez, sabe. E sabe que Deus lhe emprestou a sua voz. Veja só que afortunados somos! Nós escutamos a voz de Deus.
E ninguém conseguiu definir melhor este fato do que Mário Magalhães:
– Sou ateu. Mas, como explicar Milton Nascimento, se não existir Deus?
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