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A manhã anoitecida
20 de junho, 2016 - por Max Franco
Todo alvorecer é triste.
Mas, são em manhãs assim que considero a vida bela e não somente bela, porém bela e triste. Não serão todas as coisas belas, tristes? Não sei. Sei, na verdade, de pouca coisa. Sei apenas dos meus poucos saberes. Quando detinha de menos idade talvez até soubesse mais. Não sei o que se deu, ou desaprendi ou segui me esquecendo de um bocado de coisa. Extraviei algo no caminho ou acumulei dúvidas e um volumoso patrimônio de ignorâncias e dessaberes?
Mas, ignorantes e dessabedores também têm uma ou outra certeza. E estou certo, por exemplo, de que essa manhã nasceu triste. Triste com aquela tristeza do taxista sem passageiro. Com a tristeza do músico de esquina sem ouvinte. Com a tristeza da tv sem espectador. Com a imensa tristeza do escritor sem leitor. O dono sem cão. A geleia sem pão. A gaiola despassarada. Esta manhã nasceu sem plateia. Eu vi. Eu estava lá. Ninguém aplaudiu quando o sol apareceu, se impôs e, por fim, empinou. Todos sabem: sol aprecia majestade. Mas, essa manhã nasceu sem deferência. Uma manhã melancólica sem assembleia para a sua matinidade.
A manhã é uma insistência, é a teimosia da vida. Quando tudo quer noite, ela vem, contradiz, e amanhece. É uma obstinada. Merece, portanto, incentivo e assovio.
A vida é bela assim tal qual é triste essa manhã?
Talvez seja pela efemeridade das coisas ou mesmo pelas coisas dessa finitude chamada vida.
Bom seria anoitecer como amanheceu esta manhã: sem dramas, sem torcidas, discreta e tristemente. Quero anoitecer com a compaixão justa. Quero anoitecer com as lágrimas adequadas. Quero anoitecer com a tristeza correta.
– Mas, por que diabos estou ruminando a noite enquanto apenas amanheceu?!
Porque, talvez, manhã e noite sejam as faces da mesma fina moeda. É que ando me dando conta de quanto é mesmo estreita a tarde esmagada entre as suas inexoráveis fronteiras. Mal amanheceu, mas para mim, já faz tempo que é tarde. Será tarde à tarde? É tarde e já vem a noite. Noite, venha sem fazer barulho, sem estremecer, sem(muitos) fantasmas… Venha com a lua cheia e cheia de lua. Venha com vinho honesto e as companhias necessárias para anoitecer em paz. Porque, afinal, importa mais o valor da moeda que a sua espessura.
O que há depois da noite? – me incomoda a minha voluntariosa (in)consciência sempre aparecendo com a perguntas mais inconvenientes.
Ah, não sei! Especula-se tanto sobre isso. Já cogitei tanta possibilidade. Já fiei tanta cisma. Já temi tanta ameaça. Já depositei tanta fé…
Poucos comportamentos me incomodam tanto, atualmente, quanto os das certezas. Como se pode ainda valer de tanta certeza se tantas e tantas verdades já naufragaram mal as naus descolaram do porto?
Não sei. Não sei se é por coragem ou por covardia que ainda se crê em algo, ou em alguém. Qual terra hoje em dia pode fornecer um fruto indubitável? Qual a origem de tanto absoluto se há tanto embuste e manipulação por aí. Por todo canto, à toda hora, agora e sempre.
Feliz de quem tem a quem seguir, sem dúvidas.
– Feliz? – me pergunto.
Dia desses, segui um cicerone por horas. Sem questionamentos. Segui completamente. Ah, que doce liberdade aquela de quem não toma suas próprias decisões, mas apenas segue. Quem dera ter alguém para seguir. Pena não ter mais natureza seguidora. Desgraça não ser seguinte.
É que vai, mais cedo ou mais tarde, anoitecer e a noite é obscura. Como seguir sem ver seu guia?
Viverei apenas pela vida que haverá até esse último derradeiro minuto de vida. Espremerei até a última gota. Escutarei até a última nota. Degustarei até o último sabor. Sorverei até o último centímetro cúbico de ar. Quero tudo que me aprouver.
Tudo.
Todo.
E após tudo…
“O resto é silêncio!” – babuciou Hamlet no seu suspiro de morte.
– Bom dia, manhã triste! Amanheça bem, pois não há nada de feio em ser triste!
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