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Educar pelo mundo e educar na própria cidade

21 de maio, 2023 - por Max Franco

Aos 15 anos, fui admitido no curso de Turismo da Escola Técnica Federal do Ceará, hoje Instituto Federal.

Apenas esse ato surtiu um efeito absurdo na minha vida, afinal, depois de 3 anos de curso correspondente ao atual Ensino Médio, o filho de um cabo da Marinha e de uma costureira meteu na cabeça que queria conhecer o mundo e, mais do que isso, educar mostrando o mundo (há outro jeito de educar senão “mostrando de alguma forma o mundo”?).

Aos 20, pela primeira vez, gastei meu passaporte: um ano estudando na Itália. Emoção do caramba ao poder contemplar o que tinha – tanto – estudado. Michelângelo, Rafael, Da Vinci… Aí é bom dizer que na Escola Técnica, mal estudei matemática, química, biologia e física. Estudei, e muito, História, História da Arte, Geografia e Literatura. Tanta Literatura que, depois, cursei Letras na faculdade. E depois escrevi, e escrevo (por sinal, nesse exato momento!).

Depois disso, entrei de cabeça (e com todo o resto!) nas paixões profissionais da minha vida. Tostoi dizia que a medicina era a sua esposa, com a aqual vivia seus dias. A Literatura, por sua vez, era a amante, com a qual vivia as suas noites. Eu acredito que a Educação é a minha cônjuge, mas mantive duas amantes oficiais: o Turismo e a Literatura. E vivo nesse quatrisal há mais de 30 anos.

Como viajante, tive incontáveis emoções por muitas latitudes. Mas, como professor-guia, tive experiências avassaladoras, porque nesses mais de 30 anos de jornada, foram muitas-muitas estradas. E algumas inenarráveis de tão estupendas.

É com uma ponta de orgulho, que me permito confidenciar que o filho da costureira e do cabo de marinha esteve em 41 países e, na grande maioria deles, conduzindo grupos com fins educacionais e culturais. Só na França, estive mais de 15 vezes, em ocasiões diferentes. Em Portugal, mais de 20.

Não faço essas contabilidades para me gabar. Sei bem das minhas condições socioeconomicas e essas não me autorizam a me gabar de quase nada. Entretanto, de outra coisa também sei: os sonhos do garoto de 15 anos foram realizados. Agora, tenho que realizar a do garoto de 53.

Nesse fim de semana, por exemplo, realizei outro. Pude apresentar a minha cidade, Fortaleza, para estudantes de outro estado. Conduzir em Fortaleza não é novidade para mim. No início da carreira, no século passado, quando homens de todas as idades usavam pochetes, fui guia local e o fiz várias vezes. Mas, pela primeira vez, a condução teve abordagem pedagógica. E devo dizer, a sensação foi completamente outra.

O grupo do Colégio Mater Christi, colégio no qual trabalho no Rio Grande do Norte, começou seu tour pela exposição imersiva de Van Gogh. Depois fizemos um giro pela cidade, concluindo na avenida Beira Mar, cartão postal da capital (ainda usam cartões postais?).

Falar de Van Gogh, para mim, é sempre uma emoção tão grande que chega a ser concreta, tangível, táctil. Já devo ter lido tudo aquilo que vale a pena ser lido sobre Vincent. O pobre (pobre mesmo!) pintor holandês é, de longe, o meu crush artístico predileto. Pude apresentar a sua obra inúmeras vezes no Museu D’Orsay, em Paris; no MASP, em São Paulo e no próprio Museu Van Gogh, em Amsterdam. Agora o estava fazendo, veja só, na minha cidade natal. A vida é mesmo feita de surpresas (e de tantos outros fatos nada surpreendentes!).

Sem dúvidas, ensinar é sempre um privilégio e educar, de certa forma, sempre é guiar. Duc é uma palavra latina que significa conduzir, levar. O duto é uma passagem. O condutor é quem leva. Todo educador é, portanto, em alguma estância, um cicerone. Ele esteve lá antes ou sabe o caminho, ou tem experiências acumuladas que lhe permitem descobrir atalhos. O mestre, a rigor, é um guia e um professor.

A Educação tem sempre a ver com alguma transição. O sujeito dessabedor (para não dizer “ignorante”) se locomove para um lugar de conhecimento. É um trânsito, não é? Portanto, de alguma forma, um educador pega pela mão o seu aluno (a+luno: sem luz) e conduz para um lugar iluminado. Ele desvenda, tira a venda da ignorância desse indivíduo.

A maior conquista de um professor é tirar essa venda. Depois de tantos anos, consigo identificar nas expressões dos meus alunos o exato momento em que essa epifania ocorre. Algo muda nos olhos. É a tal da “ficha caindo”. Dá para se escutar o barulho dessa queda, ou insight, quando as sinapses são deflagradas e o macht acontece. Poder fazer parte desse processo é sempre o maior dos privilégios. Porque quando essa lâmpada acende, jamais será apagada.

Como diz Rubem Alves: Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra.

Espero ainda poder mediar esses conhecimentos por muito tempo, mas caso isso não se verifique, acredito que, ao menos em alguém (ou em “alguéns”) consegui despertar o apreço pelo Belo.  Se o fiz, deixei algum legado e o mundo um pouco melhor. Isso tem valor! Valeu a pena, então, ter vivido, andado por aí e mostrado e mundo nessas andanças.