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2021 – O ano da interrogação

26 de dezembro, 2020 - por Max Franco

Se você é um ser humano e esteve consciente no ano 2020, você se sentiu atingido por um vírus invisível a olho nu que veio de uma longínqua cidade chinesa. É impressionante dar-se conta de que a pandemia que assolou o mundo, matando milhões de pessoas de todas as latitudes, seja oriunda de uma mera zoonose.

Então, se você é um ser humano e ainda está consciente, é bem possível que esteja procurando significados e aprendizados no ano de 2020. Você deve estar dizendo que o ano de 2020 serviu para…

A verdade é que ano não serve para nada. Não há essa de ano bom ou ano ruim. Ano não é gente. Gente é boa ou ruim e, na maioria das vezes, é ora boa, ora ruim, depende para quem. Somos bons, de manhã, com nossos filhos. De tarde, somos péssimos com a garçonete. Às vezes, o contrário. Somos quem somos dependendo de com quem lidamos.  Muitas vezes, dependendo do estado no qual estamos. Outras, dependendo apenas de qual ganhos poderemos ter.

Já ano, ano é apenas um convenção de tempo que estabelecemos para que essa bagunça na qual estamos todos inseridos possa ser, minimamente, compreendida.

Partindo dessa premissa,  talvez caiba a pergunta: para que serviu 2020?

Esta questão só tem repercussão porque é da natureza humana buscar explicação para as coisas. Fazemos isso já faz tempo. Quando víamos um tigre lá no paleolítico, tínhamos que defini-lo como perigoso. Em compensação, quando avistávamos uma gazela, o sentido era outro. Gazelas significam “jantar”, elemento muito útil para a nossa sobrevivência.

É natural, portanto, que olhemos para 2020 é busquemos algum sentido nesse ano tão caótico, ainda mais para nós, brasileiros.  Se Sartre estivesse vivo e tomando café com Simone de Beavoir no Café Flore, diante da Opera de Paris, ele diria que nada tinha mesmo sentido, mas que deveríamos atribuir sentido às coisas. Já Camus, diria que nada tinha sentido e que buscar sentido para as coisas só nos enlouqueceria. Nós, pobres mortais sem a estatura de nenhum dos dois, diremos o que de 2020?

Alguns dizem, por exemplo, que 2020 foi um ano que nos ensinou demasiado. Aprendemos a lavar as compras depois do supermercado, a usar álcool gel nas mãos, a fazer reuniões pela internet, a ministrar aulas pelo meet, zoom, teams ou lei-lá-mais o quê, a lidar com o inusitado, com a distanciamento do trabalho e das pessoas, com as inseguranças de um mundo doente, com o medo de ficar doente, com o pânico de ver algum dos nossos doente.

Mas qual foi a aula que 2020 nos deu quando falamos de perdas? Alguém aprendeu a lidar com as dores dos sinistros, com as inúmeras ausências patrocinadas pela pandemia? O que o desempregado aprendeu com o desemprego? O que o faminto aprendeu com a fome? O que o desabrigado aprendeu com a dura realidade de ter a rua por endereço? Qual foi a lição aprendida com as  falências de empresas? Os sonhos extraviados, para onde foram atirados?

Se partirmos dessas questões, não lhe parece tanto egoísta ou, minimamente, autocentrada, a sua concepção sobre a pandemia tanto quanto pela busca incessante por aprendizados e crescimento pessoal às custas do sofrimento e até das mortes de tanta gente? Você considera, realmente, que todas as misérias e desgraças têm alguma serventia ou, mais, deveriam ter?

O maior pecado dos nossos tempos é a arrogância.

Porque somos arrogantes, não respeitamos a natureza. E, como estamos nos dando conta, a natureza se vinga.

Porque somos arrogantes, acreditamos que morte e doença são adventos naturais, mas apenas para os outros.  Nós somos intocáveis.

Porque somos arrogantes, achamos que os deuses que adoramos são realmente os sagrados.

Porque somos arrogantes, cremos que as nossas crenças são as legítimas, verdadeiras e não enferrujam.

Porque somos arrogantes, pensamos que vivemos o “período de ouro” da história. Cremos, inclusive, que a nossa era será lembrada, no futuro, como uma fronteira, um marco para humanidade.

Quem sabe o que ocorreu no século IX? Muito tempo atrás? Quase nada. Para o ser humano (homo sapiens), que tem algo em torno de 300 mil anos de existência, o que são 1000 e poucos anos?  Mas, você saberia dizer  algo do século IX? Ao menos um fato relevante? Pois neste século houve as invenções da Pólvora durante a Dinastia Tang, na China; da Álgebra, na Síria; da Universidade, no Marrocos e do numeral zero, na Índia. Impressionante? Claro que não. Você nem sequer tinha noção de nada disso.

Dá para imaginar o habitante desse século comentando para os seus amigos de bazar: “Vivemos o melhor ano da história da humanidade, uma época áurea que será lembrada por todos os séculos que virão”!

Este é o problema com esse tal de Futuro. Prever o amanhã é fácil. Difícil é convencê-lo a concordar com as suas previsões.

Temos um exemplo fácil de tão recente. Quem diria, em 2019, que estaríamos, durante tanto tempo, sofrendo os efeitos de uma pandemia? Quem imaginou tal situação? Quem estava preparado?

Da mesma forma, a posteridade se lembrará dos feitos do nosso período? Quem garante? Por qual motivo irão se lembrar de nós? Porque a nossa geração inventou a internet, o playstation, os smartphones e a inteligência artificial? Quem garante que estes engenhos serão relevantes, no futuro, para a evolução da humanidade? A peste negra matou 2/3 da Europa na idade média. A gripe espanhola dizimou dezenas de milhões de pessoas no século passado. Quase ninguém as citava, até voltarem para o debate em virtude do corona. O que aprendemos com tragédias de tal monta? Alguns a lavar as mãos. Mas nem tantos.

O que podemos, então, esperar de 2021?

Podemos, ao menos, tentar não estragá-lo.

2021 não vai precisar se esforçar muito para ser melhor do 2020. Se parar de morrer gente às pencas, já melhora. Se diminuir a ode à burrice, já melhora. Se ser ignorante deixar de ser a modinha, já melhora. Se vacina não for vista como veneno, já melhora. Se a terra voltar a redonda, já melhora.

O importante é, ao menos, parar de regredir.