Não é tarefa simples para pessoas da minha geração, em outras palavras, do período cretáceo, compreender facilmente esse pessoal das atualidades.
Nós que nascemos na década de 70 do século passado, por exemplo, tínhamos hábitos diametralmente diferentes dos garotos desse surpreendente século XXI. Nos dias de férias ou feriados, ninguém ficava em casa. Essa galerinha nova de hoje se assusta ao saber que os pais brigavam (vejam só!) porque nós só vivíamos na rua. A rua, por sinal, era o nosso playground. Na rua, jogávamos bola fazendo as traves com a chinelas. Na rua, brincávamos de bila, pipa, pião, carimba, “31”, pega-pega, esconde-esconde, polícia-e-ladrão…. A Rua era lugar que “também” servia para passar carro, mas, na maioria das vezes, rua era o lugar da brincadeira.
Muitas vezes, Saíamos – em bando – pela manhã e voltávamos à noite, imundos, apenas porque tínhamos fome. Não fosse a desgramada da fome, nem sei… Éramos garotos pé-duros, enquanto hoje a meninada é de granja. Meu filho me perguntou “Pai, você passava o dia inteiro fora e não mandava uma mensagem para vovó? Que absurdo!”.
-Filho, eu ia mandar mensagem de que maneira? De fumaça? Tambor? Pombo-correio?
Não trago essas reminiscências por saudosismos gratuitos. Não costumo cevar nostalgias. Sei que a qualidade do que passou é ser pretérito e experiência não pode se transformar em pílula a ser ministrada para quem quer que se seja. Comento apenas para demonstrar a (imensa) diferença com o que hoje está na pauta e não parece que sairá das rotinas tão cedo.
Meu filho – Arthur – é um exemplar clássico das novas gerações. Seus hábitos são profundamente influenciados pela tecnologia. Só troca o celular pelo Xbox e o Xbox pelo PS4. Chamei-o para passar alguns dias na praia, em uma casinha linda a 50 metros do mar. Qual foi a sua reação? Adivinhem? “Pai, só vou se tiver wifi!”. Wifi hoje é mais urgente do que comida.
Não obstante, nesses dias de carnaval, ficamos juntos o tempo todo e, por incrível que pareça, acabei encontrando algumas qualidades para essas novas práticas da geração indoor e, agora, estou cismando com meus neurônios a fim de elencar as possíveis aplicações dessas novas atividades lúdicas à Educação. Afinal, é claro que existem e possuem um potencial enorme.
Antes de qualquer coisa, precisamos entender dois pontos antagônicos. O primeiro é que não vai dar para se desprezar essas novas tecnologias na hora de propor uma Educação envolvente para as novas gerações. Eles não vão trocar o FIFA 20 pela pipa. Desistam! Eles podem até achar bacana, vintage, brincar de pião, mas, na primeira oportunidade, vão voltar para o Fortnite, acreditem. Podemos morrer tentando mudar esses hábitos, mas estou certo de que é uma batalha vã. O que precisamos fazer é se juntar ao inimigo e fazer o que Lincoln sugeriu: ” A melhor forma de destruir a seu inimigo é converter-lhe em seu amigo.” Traduzindo: Nós, educadores e pais, precisamos usar essas tecnologias ao nosso favor.
O segundo ponto é um contraponto ao primeiro: aprender não é uma brincadeira!
Parece que estou sendo incoerente?
– Sim. Parece!
Mas o fato é que precisamos compreender que é exagerada e infundada a pretensão de, o tempo todo, associar a aprendizagem ao prazer. Pode-se aprender com algum prazer. Porém, não só! Para existir uma aprendizagem realmente constituída e relevante, sempre vai ser necessário um certo volume de sofrimento. Sem renúncia, disciplina, método, esforço e muita persistência, não há como se apreender conhecimentos, principalmente, os mais complexos.
Nesse sentido, precisamos entender que as metodologias ativas não são propostas de mera suavização e alívio para a Educação. As metodologias ativas não vieram para colocar água na fervura ou para transformar o suco da fruta em refresco. As metodologias ativas não são um oba-oba sem sentido, são novas formas de se chegar ao mesmo lugar ao qual deveríamos chegar por meio dos métodos tradicionais. Precisamos reiterar: a aprendizagem precisa ocorrer!
Tendo exposto essas duas premissas, podemos e devemos pensar em como usar as novas tecnologias a serviço da Educação. Observei, por exemplo, como remotamente, cada um na sua casa, mas interligados pelos canais oferecidos pelo jogo, meu filho e seus amigos desenvolvem, por meio de uma comunicação bastante própria, estratégias apuradas a fim de, em equipe, vencerem seus obstáculos. Por que essas habilidades não podem ser aproveitadas pela Educação? Há, ao menos, 3 ou 4 das competências gerais da BNCC que tratam dessas habilidades (argumentação, comunicação, empatia e cooperação, cultura digital, projeto de vida, etc). Além desses pontos, ainda podemos identificar diversas qualidades, entre elas, a resiliência, a capacidade de lidar com as frustrações, o raciocínio rápido, habilidade motora, e muitas outras.
Essa metodologia ativa tem nome e se chama “gamificação”. Inclusive, há, atualmente, muitas plataformas que propõem atividades pedagógicas gamificadas, tais como o kahoot, cousera, seppo, entretanto, essas soluções ainda têm um grande caminho a percorrerem para se aprimorarem. Não dá para comparar o que oferecem os jogos de PS4 e XBox com as plataformas educacionais, mas o futuro, certamente, trará esse desempenho.
O que precisamos, nós, educadores, é parar com os saudosismos crônicos e agudos e cessar com esse papo de “no meu tempo era assim”. O nosso tempo é sempre o agora e esse agora é realmente muito diferente. Precisamos nos adaptar sem perder nossos objetivos.
A opção é fazer como naquele seriado dos anos 60 e criar um “túnel do tempo” para voltar para o século XX, XIX, sei lá. Mas, esse seriado é outra coisa vintage, não é?!
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