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A jornada do aprendiz, tutorial sem complicações

14 de abril, 2023 - por Max Franco

. A jornada do aprendiz e suas etapas (Tutorial sem complicações)

 

“Ninguém caminha sem aprender a caminhar,

sem aprender a fazer o caminho caminhando,

refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.”

Paulo Freire

 

 

Como já citei, Joseph Campbell, na sua erudita obra “O herói de mil faces”, demonstra como as grandes histórias, mitos e lendas da humanidade trazem uma mesma sequência, aquilo que ele batizou de Monomito ou a célebre Jornada do herói. Este famoso e eficiente modelo acabou sendo adotado por romancistas do mundo inteiro e roteiristas de cinema, os quais o utilizam na confecção de histórias com mais frequência do que a maioria das pessoas (desavisadas) desconfiam. Em Hollywood, por exemplo, é difícil se encontrar algum filme, de grande repercussão, que não tenha utilizado a Saga do herói como modelo de inspiração.

Para Campbell, a grande aceitação do Monomito acontece por uma razão simples: este modelo arquetípico está incrustado na psique humana, fazendo parte há milhares de anos do nosso inconsciente coletivo. O “Encontro com mentor” é uma das fases mais decisivas da sequência da Saga do herói. É por isso, que prefiro chamar o professor atual de mentor, afinal, a necessidade de referências é um elemento comum e ancestral na forma de pensar da humanidade.

No meu livro Storytelling e suas aplicações no mundo dos negócios, eu discorro com maior profundidade sobre cada uma das etapas da Saga do herói, com exemplos e citações de filmes, séries e romances. Aqui, como o foco é Educação, vou voltar para esta temática todos os holofotes e apresentar como a sequência descrita por Campbell pode ser aplicada no espaço do ensino-aprendizagem.

 

  1. O mundo comum

 

Quem é o herói quando falamos do processo de ensino-aprendizagem?

Decerto –  não há outro – é o aprendiz.

É só observar o processo que resume o Monomito para entendermos como ambos estão ligados.  O trajeto da aprendizagem é sempre uma jornada heróica.

Fala-se muito, hoje em dia, da “jornada do cliente”, que é uma adaptação da Jornada do herói para o mundo mercadológico. Pois eu proponho outra adequação, que é trazer o monomito para a Educação e enxergarmos o percurso pedagógico como uma “Jornada do aprendiz”.

O ser humano não nasce tabula rasa, como afirmou Locke. Em virtude das novas descobertas da psicologia, da neurociência e da biologia, descobriu-se que, quando nascemos, trazemos algo, uma memória genética, uma programação qualquer no nosso hardware. O fato é que, queiramos ou não, trazemos características físicas e psicológicas dos nossos antepassados. E há outra questão: quando nascemos, não trazemos somente esta casa visível e acessível que conseguimos perceber com certa facilidade. Para a nossa surpresa, há um submundo enorme no nosso inconsciente que já vem habitado.

Para Campbell, é ali que também mora o apreço humano por histórias e, em especial, pela sequência arquetípica da Jornada do herói.

Durante a vida, homens e mulheres, mesmo sem saber, vão buscar a façanha, porque durante centenas de milhares de anos, a façanha fez parte do seu cotidiano. Da mesma forma que buscamos o turismo para repor a nossa necessidade ancestral de nomadismo que majoritariamente fez parte da nossa existência sobre o planeta. O homo sapiens foi caçador-coletor por quase 200.000 anos, tornando-se gregário apenas há 15.000 anos, em determinadas regiões do mundo. É normal, portanto, que tenhamos este alerta interno que acende quando a rotina aperta, quando o tédio impera, quando os problemas se acumulam. Aí, algo no nosso cérebro reptiliano grita: “foge, corre, parte, sai desta terra e busca outra.” Exatamente  da mesma maneira que agiam os nossos ancestrais.

A verdade é que até gostamos da zona de conforto. Trabalhamos, afinal, para que além de buscar conforto e acomodação para nós e para aqueles que amamos. A busca pela segurança é também uma pulsão humana das mais naturais. O problema é que o mundo comum não nos satisfaz por muito tempo. O problema é queremos mais.  E mais do que mais, queremos diferente de antes.

Queremos o quê?

Emoções, meu caro. Como diria o Roberto: emoções! Somos eternos garimpeiros de emoções!

O problema é que a zona de conforto tem prazo de validade e é curto. O desejo pela caçada   ficou muito tempo inserido no nosso cérebro para sair assim sem deixar vestígios. Eles estão todos lá. Por isso, queremos surpresas, descobertas e travessuras. Mas como, atualmente, somos demasiado covardes fazer isto na vida real, apelamos para sublimações e/ou projeções que compensem o desejo inconsciente pela aventura. Para preencher essa lacuna é que existem romances, filmes e séries de tv. Eu não faço, mas o meu personagem faz no meu lugar. Quem é o bom personagem? Simples, é o empático. É aquele que proporciona com mais facilidade que você se coloque no seu lugar. Esta é a grande história contada e recontada pela humanidade, por milhares de anos, em todos os lugares deste planeta azul: a história que lhe permite participar. A sua história.

Há sempre, porém, aqueles que não se satisfazem com as projeções e compensações, com as  proezas de poltrona, com os tranquilos perigos do netflix. Estes vão buscar os hormônios da felicidade, a serotonina, a dopamina e a adrenalina no mundo real. É para aqueles que gostam de viver perigosamente. É aquele sujeito que pratica esportes radicais ou que arranja uma amante.  (sabemos que o último é muito mais arriscado!).

A questão é a zona de conforto de fato conforta, mas não só. Ela também vai lhe entediar, deprimir, engordar, adoecer e, talvez, até matar.

Como diz Harari, a maior farsa da humanidade foi trocar o nomadismo pelo sedentarismo. Ele diz muita coisa relevante neste livro maravilhoso (Sapiens, Uma breve história da humanidade) e traz um dado extraordinário: que, atualmente, o açúcar mata mais do que a pólvora. Afinal, morre muito mais gente no mundo de diabetes do que em virtude de guerras ou de violência urbana. Em outras palavras, o prazer mata e mata muito.

O que tem a ver este amplo argumento com a Educação?

Há também uma zona de conforto no campo educativo. É muito natural que nos achemos prontos, acabados, definidos. É muito natural que digamos “não preciso aprender mais nada!”. Esta é outta zona de conforto que deprime e mata, a ignorância. Se há uma coisa que a raça humana sempre  pode e deve fazer, do berço ao leito de morte,  é aprender. Remédio para este mal existe. Só o que não falta atualmente é meio para se aprender. A questão é, que, para isso, também  precisamos sair da inércia. A inércia engorda, mas não desenvolve.

Se já existissem, nas rudimentares casas do homem neolítico, netflix, canal de esportes e smartphones, talvez ainda estivéssemos por lá.

Darwin já nos ensinou: para evoluir, é necessário superar.

Superar o quê?

“Fragmento do novo livro Storytelling e suas aplicações no mundo da Educação”