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As descobertas
24 de março, 2019 - por Max Franco
Henrique não conseguiu refrear o longo bocejo quando se sentou na poltrona do ônibus. Nada mais normal. Eram ainda 6 da manhã e havia dormido pouco, ansioso pela viagem que faria com seus colegas.
A escola de Henrique tinha o hábito de realizar viagens para reforçar o trabalho pedagógico. Os alunos já sabiam que, ao final de cada ano letivo, havia a viagem de estudos. Uma jornada que costumava contemplar os conhecimentos trabalhados durante o ano.
Naquele ano, o destino era Gramado, e Henrique, durante meses, contou os dias para a realização daquela viagem. Pelo que observava, não era apenas ele o ansioso. Os colegas também estavam em polvorosa.
– Posso me sentar aqui? – perguntou o garoto de óculos e cara salpicada de espinhas.
– Claro! – respondeu Henrique, mas ficou aborrecido. Preferia ficar ao lado de um dos seus melhores amigos, o Bituca ou o Rafael. Melhor ainda se fosse a Elise. Aí seria um sonho. Mas a Elise já estava lá com o Ricardo. Ricardo, o insuportável.
O garoto tinha 14 anos, como ele. Ele ocupava a sala ao lado da sua, a 9a B. Mas ele jamais o notara anteriormente.
– Qual o seu nome? – perguntou o adolescente. – O meu é Tiago.
– Henrique. – respondeu e colocou os fones sem dar muito espaço para conversa.
A viagem decorreu sem grandes percalços, a não ser pela presença do garoto, o qual Henrique, até certo ponto, considerou desagradável. Até aquele dia em Porto Alegre…
Mas, antes, o grupo visitou várias atrações de Gramado e Canela, o lago negro com seus pedalinhos de cisne, o minimundo, o parque Knorr, o passeio de Maria Fumaça em Carlos Barbosa, a aldeia do Papai Noel, até que, em Porto Alegre, na visita ao Centro Cultural Mário Quintana, Henrique tomou um grande susto com o seu colega de estrada.
Os professores da escola faziam uso de várias metodologias para diversificar as aulas no Colégio Impacto: Storytelling, PBL, Aula invertida, gamificação … Essas metodologias também eram usadas durante a viagem. Afinal, o Colégio Impacto gostava de afirmar que ajudava a formar “protagonistas” das suas histórias, e não coadjuvantes. Isso era verdade e, por isso, Henrique gostava muito da escola, mas, naquela fria manhã de julho, não foi Henrique o protagonista da cena, mas, justamente o aluno tímido que costumava rejeitar.
– Pessoal, nós já estudamos o poeta Mário Quintana nas nossas aulas. – começou o professor de Língua Portuguesa – Quem se lembra de algum poema de Quintana?
Todos se entreolharam e permaneceram mudos.
– Gente, é claro que alguém conhece algum poema do Mário. Nós estudamos… – insistiu o professor.
Foi aí que Tiago, claramente encabulado, vagarosamente ergueu a mão.
– Então, Tiago, qual poema?
O garoto pigarreou e – sem saber, ao certo, onde deveria por as mãos – começou:
“A vida é tão bela que chega a dar medo”
Os alunos riram, mas não todos. Henrique não gostou fuzilando os colegas com um olhar e com um forte “psiu” calou a todos. Tiago, ainda encabulado, respirou e continuou:
“Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta. Medo que ofusca: luz!
Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo
Emocionado, com lágrimas nos olhos, Tiago finalizou:
Adolescente, olha! A vida é nova…
A vida é nova e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!”
Ao final, todos bateram palmas animados e vários abraçaram o garoto que sorria todos os dentes.
Não só os professores, mas muitos alunos ficaram admirados pela interpretação do garoto e, desde esse momento, ele ganhou a aceitação dos colegas e dos professores. Henrique e Tiago se tornaram amigos inseparáveis e fizeram muitas viagens lado a lado.
Era normal nessas viagens que os colegas pedissem ao rapaz:
– Tiago, recita Mário.
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