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As histórias que sussurro no (meu) ouvido
31 de maio, 2023 - por Max Franco
Estou convencido de que a pessoa que mais me engana sou eu mesmo.
É claro, porém, que não sou o único empenhado em me chantagear, sabotar, manipular, explorar, ludibriar e embromar. A verdade é que existe um verdadeiro mutirão dedicado a me enganar. Porém, dói mais quando encaro a dura realidade que faço parte dessa massa. Eu também me conto histórias CONTRA mim mesmo. É um autostorytelling pernicioso que acaba me criando um ambiente tóxico onde quer que eu esteja, afinal, aonde quer que vá, lá estou. Não preciso de mais ninguém para me sacanear. Eu mesmo o faço comigo próprio, eu lobo-de-mim-mesmo.
Já tratei neste ambiente virtual de alguns fenômenos atuais que retratam esta prática nociva: usar narrativas para deformar a realidade. Nas atualidades, as verdades viraram commodities. Ninguém liga tanto para ela. O que importa é a versão. É o que podemos fazer com o fato, e fato é trigo, mas o que servimos é o pão. É o fato transformado, processado, customizado, direcionado, publicizado, patrocinado, disseminado… tudo orientado para bancar determinada ideia. Para quê? Simples: para mobilizar indivíduos e grupos. É o turbostorytelling 24 horas por dia, todos os dias.
Entretanto, há aquelas histórias que eu mesmo me conto, porque acreditei nelas, quero acreditar nelas, gosto de acreditar nelas e porque elas me oferecem uma cama gostosa para me deitar. Já tratei aqui dessas manifestações: efeito Mandela, Janela de Overton, Dunning-Kruger, Escotoma, efeito bolha, síndrome de Estocolmo, delírio coletivo, síndrome de Clèrambault… não faltam nem patologias nem fenômenos sociais para engrossar esse caldo cultural que define os pensamentos e comportamentos de massa.
Como se não houvesse já em demasia, ainda podemos acrescentar outra: a dissonância cognitiva.
O conceito de dissonância cognitiva trata da tendência de buscar coerência entre suas cognições (conhecimento, opiniões ou crenças). A dissonância ocorre quando existe uma lacuna ou incoerência entre os comportamentos que acredita serem certos e o que, de fato, pratica. O termo foi cunhado por Leon Festinger , em 1957, professor da New School for Social Research de Nova York.
Da mesma forma, Adam Grant, no seu “Pense de novo”, fala do “viés da confirmação” e do “viés da desejabilidade”, os quais, quase o tempo todo, perseguimos. A verdade é que todo mundo quer estar certo o tempo inteiro, e tudo o que nos ocorre e nos chega passa por estes filtros. Nem sempre ouvimos o que ouvimos, nem sempre vemos o que vemos… Podemos, portanto, muito bem, ouvir, ver, perceber o mundo como queremos fazê-lo. Como costumo dizer, “vemos o mundo apenas com nossos olhos”.
A teoria da dissonância cognitiva, por sua vez, defende que um sujeito passa por um conflito no seu processo de tomada de decisão quando pelo menos dois elementos cognitivos não são coerentes. Em síntese: quando uma pessoa tem um pensamento ou uma atitude que não coaduna com o que pensa de si, das próprias posturas ou opiniões, ocorre uma dissonância. A dissonância cognitiva é um conjunto cognitivo e emocional, que gera um estado de desconforto ou angústia causados pela inconsistência entre as cognições. O volume da dissonância varia de acordo com a relevância e a incoerência entre as cognições, entretanto, toda vez que a dissonância cognitiva é acionada, a pessoa costuma dar start aos mecanismos psicológicos para reduzir ou eliminar a dissonância. Em suma, ou o indivíduo muda de opinião e de comportamento, o que é dificílimo, ou vai apelar para maquiagens e acrobacias argumentativas para justificar o injustificável. A verdade é que odiamos estar errados e fazemos o possível para não encarar os próprios equívocos ou daqueles que amamos.
Se você é um ser humano, está vivo e raciocina, nestes anos 20, você se depara amiúde com essa realidade. Uma pessoa, por exemplo, que tenha determinadas visões ideológicas e/ou partidárias vai tender a justificar os erros dos seus políticos de estimação. É um eterno “passar pano” para minimizar ou anular os pecados dos seus objetos de afeto. Muitas vezes, chegando a fazer as piruetas mais improváveis para embelezar o que é feio pra cachorro.
O que fazer para eliminar a dissonância cognitiva?
Fazer o que Adam Grant aconselha: repensar.
Não ter medo de estar errado. Ler outras coisas. Ouvir outros podcasts. Consumir novos conteúdos. Fugir da bolha. Debater não para provar o seu ponto, mas – sinceramente – para entender o do outro. Rever suas crenças. Despir-se dos preconceitos. Pedir feedbacks, genuinamente, com o intuito de pesar seus comportamentos.
Por fim, ser generoso com a Vida, curioso, desapegado dos próprios preconceitos e um apaixonado pelo conhecimento.
Porque um sujeito que é apaixonado pelo conhecimento precisa estar aberto para novas concepções e crenças não são, obrigatoriamente, verdades.
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