http://www.maxfranco.com.br/artigos/execucao-em-praca-publica/

Execução em praça pública

03 de fevereiro, 2017 - por Max Franco

O atual cenário brasileiro é um ambiente perfeito para entendermos como as mídias exploram o recurso do Storytelling para ampliar o seu alcance e engajar cada vez mais os seus expectadores, ou para melhor dizer, os seus consumidores.
O storytelling é uma ferramenta tremendamente eficaz, além de ancestral. Tudo indica que desde que a humanidade se tornou capaz de unir fonemas a significados, ela também desenvolveu a habilidade de criar e contar histórias. Somos, portanto, storytellers há milhares de anos. Talvez, isto explique o nosso apreço por histórias e por que estamos sempre em busca delas, não importando a fonte: livros, filmes, séries, esportes, jornais, noticiários… Continuamos amantes de histórias. Não é por acaso que os contadores de histórias mais populares são tão perseguidos pela fortuna. Basta observar o estrondoso sucesso de J.K Rowling e Stephen King ou de grandes diretores como Martin Scorcese e James Cameron. A humanidade desejosa e carente de emoções venera os seus storytellers.
Uma das técnicas comuns do storytelling é amplamente antiga e igualmente eficiente, que é a de erigir heróis e bandidos. Não há histórias sem problemas. Ninguém suportaria 400 páginas de harmonia e compreensão em um romance. Aposto que não toleraríamos nem sequer 40. Também não assistiríamos a um filme de duas horas de satisfação coletiva na tela. A felicidade não costuma gerar audiência. O que nós realmente gostamos é de um bom problema, desde que seja grande e, é claro, alheio. Já dos próprios problemas abriríamos mão com enorme desprendimento.
Então, a partir desta premissa que entra em cena um dos personagens mais importantes: o antagonista. O vulgo vilão. Não há histórias sem inimigos. E quanto mais formidável, melhor. Às vezes, o sinistro nem sequer é um ser dotado de consciência (suja). Muita vez, pode ser um furacão, um tsunami, um tubarão, o clima, a fome, uma doença… Não importa, mas sempre deve haver um adversário a ser confrontado. Como se diz na Espanha, “Quem faz o toureiro é o touro!” Não há heróis sem adversidades.
A grande mídia, da sua maneira peculiar, presta homenagens a heróis e bandidos. Ela monta toda a sua parafernália e pirotecnia a fim de espremer até a última gota de virtude dos ditos benfeitores da mesma forma que raspa do prato o derradeiro bocado do aclamado malfeitor.  A técnica é já um clichê: divinizar 0 herói e satanizar o rufião. Ambos são ótimos para vender desodorante.

Basta ver o espetáculo que criam para veicular as “notícias” sobre os ditos vilões da longa novela brasileira a qual, mesmo que não o queiramos, todos acompanhamos o tempo inteiro. Nós sabemos detalhadamente, por exemplo, que horas Eike Batista embarcou nos EUA. Sabemos se comeu ou não no avião. Sabemos também que trazia um travesseiro à mão. Que raspou a cabeça. Que trocou de roupa. Que a sua cela é miserável. Que não tem diploma de ensino superior, por isso, a sua prisão, caso realmente se verifique, aponta para um verdadeiro calvário. E ter estes conhecimentos traz, antes de tudo, uma grande satisfação.
O fato é que a natureza humana não se alterou tanto assim depois dos séculos. Ainda apreciamos (com ardor) as execuções públicas, ocorrendo entre o número dos malabaristas e do engolidor de fogo. Sabemos o efeito popular destes espetáculos sangrentos: eles atraíam multidões. E ainda atraem. Como Quentin Tarantino nos demonstra a cada produção sua, o ser humano nutre um apreço abissal por uma boa vingança.
O fenômeno não ficou no passado. Na verdade, atualmente está potencializado por todo o arsenal que está envolvido na cobertura destes fatos. O bandido nunca foi tão pop quanto hoje e jamais mereceu tanta atenção. Afinal, é necessário saciar a sede de sangue da assembléia. A catarse urge. Mas é importante dizer que não é a mídia que cria a pulsão por esta satisfação vampiresca. A fome pela derrocada alheia é uma pulsão latente, natural, tão antiga quanto o homem. A mídia só a espetaculariza a fim de vender mais espaço para anunciantes. O meu argumento não se justifica para discutir méritos, mas apenas para isolar e demonstrar um comportamento.
Particularmente, quando acompanho os textos dos cronistas modernos só me vem à mente uma cena que testemunhei anos atrás. Lembro-me que estava na apresentação da “Paixão de Cristo”, em Nova Jerusalém, interior de Pernambuco. Recordo-me que só um episódio provocou mais palmas e efusividade do que a ressurreição do Cristo: o enforcamento de Judas.