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O storytelling das redes
03 de outubro, 2020 - por Max Franco
As redes sociais são gratuitas?
Ou nós que somos?
A verdade é que as redes sociais se alimentam de nós e das nossas histórias.
É o que vamos descobrir quando assistimos ao documentário da netflix “O dilema das redes”, que entrevistou engenheiros, executivos e idealizadores do Google, Facebook, Instagram, Youtube, Pinterest e Twitter.
A conclusão à qual chegamos depois de assistir ao documentário não é muito animadora. Para ser mais objetivo, a primeira ideia que vem é a de sair, o mais rápido possível, de toda e qualquer rede social.
O antigos funcionários dessas grandes empresas, afinal, concordam ao afirmar que o uso das mais festejadas e onipresentes redes é prejudicial tanto individual quanto coletivamente. A produção dirigida por Jeff Orlowski aborda temas graves e atuais, sem meias palavras. O dilema das redes (netflix, 1h34min) reúne ex-funcionários e executivos que detalham como as redes sociais funcionam a partir de modelos de negócios baseados em publicidade e lucros crescentes, os quais cresceram exponencialmente no vácuo da falta de regulamentação dessas mídias.
O vício nas redes sociais é uma temática antiga. Entretanto o documentário traz um novo olhar sobre o tema revelando como as plataformas foram planejadas para viciar os usuários. As redes sociais precisam da atenção das pessoas. Afinal, quanto mais tempo o usuário passa dentro das redes, mais exposto ele fica aos anúncios e produtos.
Os ex-funcionários alertam que precisamos estar atentos à pretensa gratuidade dos aplicativos de redes sociais. Os aplicativos são mantidos por anunciantes que se dedicam a encontrar cada vez mais consumidores para os seus produtos e serviços. A atenção do público é, então, o real produto pela qual as big techs tanto disputam.
A questão é que, ao fazermos uso das redes sociais, estamos fornecendo dados sobre quem somos à plataforma. Nós entregamos os nossos dados, como nome, idade, e-mail, e criamos um histórico do nosso comportamento on e offline. Além da nossa geolocalização. Informação sobre nós é que as redes sociais se dedicam a descobrir o tempo todo. Por qual motivo?
-Porque informação vale ouro!
Jeff Seibert (twitter) afirma que cada ação que você realiza é cuidadosamente monitorada e registrada. As redes sociais observam as imagens que curtimos e até por quanto tempo olhamos para elas. É o chamado “capitalismo da vigilância”. Nessa hora é que entram em campo os famosos algoritmos e a inteligência artificial. Afinal, as plataformas têm, atualmente, mais informação sobre nós do que jamais se imaginou. O historiador Yuval Harari ressalta que nem sequer os mais diligentes e acurados sistemas nacionais de inteligência e de espionagem, como a CIA, a Gestapo, o MI6, o Mossad ou a KGB, teriam acesso a tantas informações sobre os cidadãos dos respectivos países como as tais plataformas, atualmente, detêm. A principal diferença é que, hoje, fornecemos essas informações de bom grado.
Do que se alimentam as redes sociais? Isso mesmo: das nossas narrativas!
Esta é a principal revelação do documentário: nós somos o produto!
Os clientes são as empresas que investem dinheiro nas redes sociais e pagam para ter todas as informações sobre nós. São por meio dessas informações que os anunciantes conseguem atrair a nossa atenção, nos manipular e nos persuadir a continuar navegando nas redes sociais. Quanto mais tempo ali, mais anúncios aparecem e mais as redes lucram. Os conteúdos recomendados e as notificações que chegam são apenas algumas das estratégias para que nos esqueçamos de fazer qualquer outra coisa e continuemos on-line. Tudo é narrativa para nos convencer!
Jaron Lanier, um dos principais precursores da realidade virtual no mundo, afirma que as redes sociais têm o poder de direcionar o nosso comportamento da forma que elas bem quiserem. “O produto é a gradativa, leve e imperceptível mudança em nosso comportamento e nossa percepção”.
“O Dilema das Redes” mostra que tudo que fazemos nas redes sociais é determinado pelos robôs e que a nossa sensação de autonomia sobre elas é ilusória. A prova de que essa postulação é verdadeira vem ao mesmo tempo em que ocorre certo choque de realidade quando nos fazemos algumas perguntas: quanto tempo passamos nas redes sociais diariamente? O que poderíamos fazer durante esse tempo? O que renunciamos quando fazemos essas opções?
No documentário, Tristan Harris afirma que essa técnica psicológica de “reforço positivo intermitente” causa uma crescente alteração de comportamento dos usuários, que se sentirão dependentes do uso das plataformas. Essa é uma técnica comumente utilizada nas redes sociais, com o objetivo de criar o hábito inconsciente de nos manter sedentos para consumirmos cada vez mais conteúdo.
Com o intuito de que passemos cada vez mais tempo nas redes sociais, as plataformas digitais precisam nos convencer a continuar navegando. Para tal, elas nos oferecem iscas, isto é: ideias, opiniões e produtos customizados exatamente para nós. É a tal da “bolha” de que tanto falam. Um lugar aprazível onde, praticamente, todos concordam conosco. Se você for terraplanista, não se preocupe, alguém vai concordar com você! Se você for Bolsonarista, também. Antivacinista? Negacionista? Também! E aí, inclusive, todos os demais “istas” também podem fazer morada nessa bolha.
O “Dilema das redes” mostra que a intolerância e a extrema polarização política são consequências claras desse efeito. Nesse contexto, a verdade vira qualquer coisa elástica e, menos, ela mesma. O documentário cita a eleição de Trump, Bolsonaro e de outros líderes populistas que dominaram o território das redes sociais explorando os recursos disponibilizados pelas plataformas.
E qual a matéria-prima utilizada pelas redes sociais? Simples: storytelling, é claro!
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