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O futuro é logo ali
16 de fevereiro, 2017 - por Max Franco
Ilich Velemontov era um sujeito de sorte, mas com tanta sorte, que não tinha como negar a sua fortuna.
Ilich Velemontov não precisava morar em nenhum megassubúrbio formado por complexos de apartcubículos de cinco por cinco que atulhavam as periferias das grandes cidades no ano de 2064. Um apartcubículo não passa de um caixote decorado, dizia ilich Velemontov.
O rapaz morava num agradável loft-room que ficava apenas a 45 quilômetros do seu trabalho. 45 quilômetros ou duas horas e meia num dia sem grandes problemas de trânsito. Os amigos o invejavam e ele também sabia disso.
Ilich tinha estudo. Seus pais não tinham economizado com o jovem. As aplicações de infraneurônios artificiais começaram quando ele tinha apenas três meses e garantiram o diferencial que o rapaz precisava para se destacar no competitivo mercado de Valinhos. Afinal, a outrora pequena e bucólica cidade, atualmente, era um dos mais proeminentes centros de produção de próteses genéticas do interior de São Paulo. Dedos, orelhas, pés, mãos, braços… Tudo era feito em Valinhos e enviado para todo o país. Porém, a especialidade local era a perna. Todo mundo queria as pernas de Valinhos. “As pernas do Brasil são de Valinhos” era o que apregoava a campanha nos milhares de outdoors voadores que povoavam os céus das cidades.
Ilich era um executivo trainee da mais célebre indústria genética da região, a Anhanguerafakelegs. Ele havia sido um aluno brilhante nos seus meses de escola, onde aprendeu – como ninguém – a preencher e esvaziar os volumes manipuláveis da sua memória-info. Esse era o maior talento do garoto: ele sabia como se programar. Ele sabia o que era preciso não saber para ser o profissional que o mercado da época exigia. Ilich, inclusive, não conseguia compreender a geração dos seus pais e avós, que tanto e tão desnecessariamente valorizava o conhecimento estudado. antes, as pessoas tinham que estudar, era verdade? Perguntava o rapaz.
Hoje, conhecimento em demasia era a maior das pragas. Conhecimento demasiado tira o foco, diziam os pedagogos. Conhecimento causa neuroses, apregoavam os psicólogos. Conhecimento bom deveria ser seletivo, delimitado.
Em 2046, os felizes eram os ignorantes por opção. Nada que não pudesse, rapidamente, ser resolvido pelos festejados recursos providos pela indústria farmacêutica. Uma pílula e mais 15 minutos de retroalimentação neural e tudo estava resolvido. Qualquer um podia cursar Harvard. Qualquer um poderia ser laureado com honras em Sorbonne. Qualquer um que pudesse adquirir os compostos químicos e frequentar as academias cerebrais.
Ilich podia, eu disse, tinha recursos.
Essa era a sua sorte.
Sorte que ele amava ter, principalmente, quando assistia aos milhares de indigentes que ocupavam diariamente as ruas. Na verdade, ele sabia, ainda se multiplicariam bem mais do que o dobro e o triplo. Não fosse a bendita (para a sua classe social) H17N7, um vírus letal que – em poucas semanas – cinco anos atrás, dizimou mais da metade da população sem teto e sem vacina que perambulava pelas cidades. Alguém dizia que a peste havia sido “plantada”. Ele não ligava.
Ilich também sabia que aquela doença era um produto caríssimo. A Anhanguerafakelegs adoraria ter a sua patente, mas somente as indústrias ligadas ao governo detinham aquele knowhow tão almejado naqueles tempos difíceis. Tempos de superpopulação mundial. Tempos de milícias pró- anarquia que faziam estragos colossais quando conseguiam esconder informações da polícia e assim organizar os seus protestos urbanos.
Mas, Ilich não estava a fim de pensar nas milícias naquele dia. Na verdade, tudo que Ilich queria era não pensar. O rapaz não via a hora de chegar a casa e poder desfrutar alguns deliciosos momentos dos adesivos sublinguais de hiperopiácios, os quais tinham lhe custado os olhos da cara, ou algumas pernas de Valinhos. Aí sim, Ilich se sentiria com a sorte que precisava ter para suportar a vida que tinha ou, principalmente, para tolerar a vida que não tinha.
Nenhuma novidade naquela época.
Os amigos o acusavam de depressivo. E olhe que depressão, em 2064, era uma doença retrô.
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