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O poder

24 de janeiro, 2023 - por Max Franco

 

O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.

Immanuel Kant 

 

Quando alguém, por qualquer motivo, deseja esconder a sua participação em qualquer ocorrência, é só imputar o ocorrido a outro indivíduo. Costumamos apelidar este sujeito de “amigo”.

Dizem que existe outra forma sagaz de escapar de qualquer atribuição desta mesma participação: basta argumentar que o fato ocorreu anos atrás em lugar distante.

Entretanto, o que vou narrar aqui – garanto – se deu realmente anos atrás, noutra cidade e, lógico, com um amigo.

Por uma absurda coincidência, meu amigo também trabalha com Educação e, nesta lida, testemunhou diversas situações das mais inusitadas.

O amigo atuava há anos como coordenador pedagógico e, em certa manhã, precisou convocar os pais de alguns alunos do 3º ano do Ensino Médio para uma conversa. Um casal, porém, chamou a sua atenção mais do que os outros. Reproduzo aqui o diálogo que ele me confiou pedindo segredo:

– Eles estão suspensos por três dias – disse o coordenador.

– Como assim? – inquiriu a mãe demonstrando perplexidade.

– Não é a primeira vez que aprontam em sala de aula. Já os advertimos diversas vezes. Hoje foi só a gota d’água.

– Mas vão ser suspensos por três dias porque… – falou o pai se erguendo da cadeira.

– Porque estavam assoviando durante a aula de matemática. Toda vez em que o professor se voltava para a lousa, um deles assoviava e, logicamente, o grupo ria. Foi uma ação coordenada, premeditada e de desrespeito ao profissional.

– Mas isso é coisa de criança, professor.

– Exatamente. Eles fazem 3ª série do Ensino Médio. Têm 16 ou 17 anos. Não estão na 3ª série do Ensino Fundamental nem têm 8 anos. Já deviam ter juízo e consciência nessa altura.

– Professor, me deixe lhe explicar… – falou o pai com uma nota de condescendência na voz que deixou o meu amigo incomodado. – Eu sou profissional da saúde e como profissional da saúde, conheço bem o que ocorre no corpo e na mente desses jovens. Nessa idade e com toda a pressão do ENEM, é justificável que eles demonstrem alguma rebeldia, mas isso não é para desrespeitar ninguém. É só uma reação natural provocada pelos hormônios que invadem o cérebro da garotada. Como lhe disse, sou profissional da saúde e posso dizer que é justificável que se comportem desse modo.

– Doutor Jurandir, deixe-me também explicar: eu sou um profissional da Educação e como profissional da Educação, sei bem que existe uma diferença entre o que é explicar e justificar. Justificar quer dizer “tornar certo, justo, correto”, e não há medicina alguma no planeta que torne certo, justo e correto que estudantes cometam atitudes desrespeitosas e ofensivas com seus professores. Para dizer a verdade, não há nem como explicar nem sequer como justificar o que fizeram.

– Então, não existe como reverter essa suspensão aos garotos? – inquiriu a mãe.

– Claro que existe! Eu também posso expulsá-los da escola. Mas, entenda, senhora, nosso papel aqui não é de punir, mas de educar. Quando passamos o pano para coisas desse gênero, quando somos permissivos e omissos, nós apenas reforçamos comportamentos nocivos e vícios. Viver em sociedade é aceitar que existem regras e essas regras não são seletivas. Normas são para todos. É assim que se forma um cidadão. Educar também é contrariar.

Observando que não teriam êxito com o coordenador, os pais saíram da sala com passos largos. Porém, ainda no mesmo dia, meu amigo soube que os pais procuraram o diretor da escola para, mais uma vez, tentarem abrandar a penalidade e, mais uma vez, não obtiveram sucesso.

Dias depois, meu amigo educador imaginava que aquele assunto já tinha sido encerrado, mas a vida é prenhe de surpresas, não é?

– Você viu isso aqui? – perguntou o professor de matemática, mostrando o seu celular.

– Não entendi.

– É isso mesmo que você está vendo. Ele ganhou um carro novinho dos pais. Na verdade, esse carrão. O garoto foi suspenso e os pais lhe deram de presente um carro zerinho da silva.

– Você está brincando comigo. Confesse!

– O mais engraçado, quase irônico, é o que ele escreveu na postagem do instagram: Obrigado, meu Deus, por essa conquista!

Diga que é uma pegadinha, por favor!

– Não. Ele já veio de carro hoje.

– Mas ele tem 18?

– Nada, 16.

– Mas ele não pode…

– Eles podem tudo, amigo. Essa é a questão!

Menos de um mês depois, meu amigo me relatou, com certo ar de desistência, que entrou na sala da 3ª série e o ambiente todo estava decorado com cuecas penduradas por todos os lugares. Eles já tinham terminado uma garrafa de vodca e começavam outra.

– Eles podem tudo.