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O professor de professores
01 de fevereiro, 2019 - por Max Franco
O velho professor subiu as escadas com dificuldade visível. O espírito almejava, mas o corpo lhe pesava. Ele entrou no auditório mancando um pouco, e percebeu as dezenas de olhos que seguiam cada movimento seu com nítido cuidado, mas não só, havia também admiração.
– Agora para proferir a palestra de abertura do nosso encontro pedagógico de início do ano, um professor que dispensa maiores apresentações, o aclamado professor doutor Aurélio Viana. – anunciou o mestre de cerimônias com efusividade.
– Boa noite, amigos! – começou o professor com uma voz clara – eu digo “amigos”, porque vocês são professores e nós, professores, devemos ser amigos. O filósofo é o “amigo da sabedoria”, mas quem é o amigo de quem a traz? Amigos, eu fui professor a vida inteira. Entrei numa sala de aula pela primeira vez como professor faz 50 anos. Meu Deus, eu não sabia de nada! Isso mesmo: não sabia de nada. Não sabia onde por as mãos, se devia me sentar ou ficar de pé, se devia ficar aqui ou ali, rir ou chorar. Não sabia o que iria passar na vida nesse lugar de professor e, principalmente, não sabia muita coisa de história. Mas eu era o professor de história, como não podia saber? Mas, não sabia. Hoje sei o quanto não sabia. Eu estava tremendo, tremendo de medo. Quem já teve uma turma de sexta série na sua frente, sabe como podem ser aterrorizantes. Eu tinha medo, mas hoje tenho orgulho daquele garoto. Ele era ignorante, mas era corajoso pra caramba. Hoje, só estou aqui por causa da ousadia daquele rapaz.
Aurélio esperou os risos acabarem para continuar seu discurso.
– Vocês, também, só estão aqui hoje porque tiveram coragem. Quero pedir palmas a vocês, os indômitos. – As palmas foram demoradas, e Aurélio percebeu alguns olhos chorosos aqui e ali em meio ao público. – Amigos, eu vim aqui hoje para elevar a vossa autoestima. Professor, no Brasil, precisa de afago, de agrado, de mais salário e, principalmente, de reconhecimento. Vivemos tempos bicudos. São tempos esquisitos para nós, educadores. Atualmente, o status do professor é cada vez mais questionado. Professor, hoje, é vigiado, filmado, gravado, censurado, editado, patrulhado… Professor hoje é alvo de desconfiança. Afinal, professor, para alguns, é doutrinador. Amigos – nós sabemos – mal conseguimos convencer o aluno a estudar, ler ou fazer suas tarefas. Imagina persuadir alguém a ser socialista, comunista, anarquista ou algum “ista”. Amigos, precisamos nos unir e nos fortificar contra toda essa onda de boçalidade e ignorância que assola a sociedade. Para isso, o professor – você – precisa saber quem é. Você é da mesma estirpe dos primeiros caçadores e aventureiros da humanidade. Porque a tribo esperava pelos seus caçadores que passavam dias e mais dias entrando em território virgem e desconhecido na busca perigosa da caça. Perigosa porque caçador, muita vez, virava caça. Esse caçador audacioso percorria novas terras, via novas paisagens, mantinha contato com flora e fauna completamente desconhecidos e caçava animas temerários. Quando voltava, ele trazia para a sua tribo duas coisas que ela esperava com ansiedade: a comida e as histórias das suas descobertas. A tribo era alimentada da caça e de conhecimento. Certamente, também passava pela cabeça dos pequenos homo sapiens que estavam ao redor da fogueira escutando aqueles relatos a vontade de, ao crescerem, se tornar como aqueles caçadores. Vocês são como aqueles antigos caçadores. Também vocês fizeram suas jornadas de descobrimentos e, agora, voltam para contar o que viram e aprenderam. Vocês são da mesma matéria dos intrépidos caçadores. Vocês alimentam a tribo de conhecimento ao mesmo tempo que inspiram as novas gerações. Vocês são dignos de admiração e de orgulho. Diante de vocês, eu só posso dizer uma palavra: obrigado! Obrigado, professor! Muito obrigado!
Aurélio se curvou baixando a cabeça em sinal de reverência aos colegas professores. Mas, quando se ergueu, conseguiu perceber os olhos marejados que o fitavam com igual admiração e reconhecimento.
– Amigos, somos professores. Nunca se esqueçam do valor dessa palavra, desse título. Professor é mais que substantivo. Professor devia ser pronome de tratamento. Obrigado!
As palmas não queriam acabar quando o velho professor se encaminhou para a saída do auditório.
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