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O último Ano-novo
02 de janeiro, 2017 - por Max Franco
Eles se encontraram na velha barraquinha de coco na Beira-mar. A mesma barraca de dez anos atrás quando se encontraram pela primeira vez. O vendedor era também o mesmo e brincou com o casal. Eles riram sem graça, porque tanto era da mesma forma, menos eles.
– Ana, não vai querer coco? – perguntou Edgar.
– Desta vez, não. – respondeu a moça, sem olhar para ele.
– Mas é uma tradição.
– Era. Nem todas as tradições precisam durar para sempre. A verdade é que nada dura para sempre.
Os dois seguiram caminhando lado a lado num silêncio loquaz. Visitas de muitas memórias em cada esquina. Fantasmas de amigos vivos, rumores de antigas risadas, velhas baladas, amassos nos muros dos condomínios e, é claro, as festas de ano-novo. Eles se conheceram na praia exatamente em uma festa como aquela. Por isso, decidiram se encontrar mais uma vez no réveillon. O último.
– Você me beijou… – começou ele.
– Foi sob efeito de champanhe, e de nostalgia. Um ataque de dejá vu. – disse ela mirando o mar. – Não vá se animando, acabou, você sabe.
– Eu sei, eu sei…
– Temos que acertar os detalhes, o divórcio, pensão… tudo.
– Podemos ver isso depois. Não estou com saco para isso. Hoje queria mais dessa nostalgia. Quero tomar o último gole da garrafa. O resto…
– Hoje já deu o que tinha que dar. Estou cansada e quero cama.
– Comigo?
– Sozinha.
– A nossa cama sempre foi muito boa.
– Já faz anos que a nossa cama virou burocrática. Dia para acontecer e manual passo a passo. Você sabe disso. Como bons engenheiros, transformamos o nosso sexo em processo, tabela de Excel, custo e benefício. Dá preguiça.
– Você é cruel!
– Eu sou realista.
– Não fomos felizes?
– Até fomos. Muito. Mas, a felicidade ficou na festa e a festa acabou. Agora, nos resta seguir adiante buscando ser feliz em outros encontros. Vamos chorar nossas lágrimas e recolher o que restou. Sempre há um depois…
– Você é muita fria. Queria ser igual.
– Você é um banana, Edgar! Este é o problema. Uma criatura imutável, inoxidável, irreparável… Você é a previsibilidade caminhando. Em toda a nossa vida juntos, nem sequer uma vez, você me surpreendeu. Dá no saco!
– Não viemos aqui para discutir. Viemos? – disse ele com os olhos marejando.
– Você não vai chorar aqui no calçadão, vai? Não tem jeito. Eu vou embora!
– Não! Não faz isso! Vem comigo no carro.
– Nem a pau, Edgar! Você vai fazer cena. Prometemos que não haveria cenas. Era uma celebração do nosso fim. O último ano novo.
– Prometo que não haverá nada disso. É que trouxe o seu bolo, aquele de xadrez que você adora. Eu fiz hoje só para você. Não vai recusar, vai? – disse ele com um sorriso quebrado.
– Isto é covardia! Eu nunca recuso o xadrez. Mas, será apenas isso. Vamos que estou com fome.
O casal caminhou até o carro estacionado numa rua perpendicular à praia. Nos últimos metros, ela até deu a mão para ele segurar. Quem os visse naquele momento, não imaginaria outra coisa senão um casal apaixonado depois da festa. Não desconfiaria de que o auge da festa ainda viria.
– Você está melhor. – comentou a moça entre mordidas no pedaço de bolo. – Está mais calmo. Mais sereno. Não lhe disse que você iria superar? Não somos o único casal do mundo que separa.
– Não superei coisa alguma, Ana. Nunca vou aceitar que você seja feliz com outra pessoa. – repetiu ele o velho argumento. Mas, desta vez, havia um tom diferente na sua voz. Algo lúgubre, imaginou ela.
– Isto não é amor, Edgar. Já lhe disse. Isto é posse. Quem ama permite que o outro seja feliz, não importa como ou com quem.
– Pois você não será. Na verdade, será. Mas, apenas comigo!
– Isto é uma doença, uma obsessão. Você tem que se tratar, fazer uma terapia, tomar remédio…
– Você sabe o que é nembutal?
– Não tenho a menor ideia. Este bolo está esquisito. Tem algo de diferente…
– É um tranquilizante potente. Bastante potente. Geralmente é usado para o sacrifício de animais. Uma morte completamente indolor.
– Por que está dizendo isso? – perguntou a moça com a boca cheia. – Você… Você não fez isso, Edgar! – ela já não sabia se gritava ou cuspia. Por fim, não fez nem uma coisa nem outra porque a cabeça já lhe pesava e os olhos cerravam por mais que tentasse resistir ao efeito do veneno.
– Eu lhe disse. Não é posse, é amor. E vou lhe provar. Estaremos para sempre juntos. – Disse ele acarinhando o cabelo da esposa desfalecida dentro do carro enquanto engolia bocados do bolo fatal. – Estaremos juntos no próximo ano-novo, amor. E no próximo! Eu lhe disse, um dia ainda iria lhe surpreender. Um dia…
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