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Relato de liderança
28 de novembro, 2018 - por Max Franco
“Eu não quero mandar em ninguém! Eu jamais vou querer ser líder de nada nem chefe de ninguém! É muita responsabilidade! Eu mal mando em mim! Nem meu filho ou meu cão me obedecem, imagina liderar uma equipe! Nunca…” – foi o que pensava Armando antes de entrar na reunião com o seu diretor da empresa onde trabalhava há dez anos.
– Você vai assumir a direção, Armando! – disse de uma vez o Pedro Antônio. – Você é quem vai me substituir.
– Jesus, Maria, José! – respondeu Armando, branco feito uma estátua. – Mas, Pedro, como assim? Eu não tenho vocação para o cargo. Eu não quero status nem me sinto à vontade com essa posição de autoridade.
– É justamente pelo fato de você não querer o cargo que nós achamos que você foi feito para ele, Armando!
– Não entendo… – falou o homem ainda perplexo.
– Liderança não é status, Armando. Eu estou nesse lugar há muitos anos e, por isso, sei o que estou lhe falando. Liderança é serviço! Um líder não é um gestor repleto de poderes. Um líder tem diversas responsabilidades, alguns bônus e muitos ônus.
– Pois é… Para que eu iria querer isso para mim? Eu sou um sujeito quieto, tímido, modesto…
– Você é humilde, Armando! Humildade é essencial para quem deseja comandar uma equipe. Humildade, porém, não é omissão nem passividade. O humilde sabe que não sabe de tudo e sabe que precisa da sua equipe para lograr os resultados que almejam. O bom líder sabe escutar e valorizar as opiniões alheias. Ele sabe que pode errar e que, muitas vezes, alguém do seu grupo pode trazer críticas e contribuições positivas para os seus projetos. No entanto, ele é o líder. Ele deve saber distribuir responsabilidades, deve desenvolver potencialidades, mas a decisão final é dele, como também, primeiramente, é dele a responsabilidade por essa decisão.
Armando se ergueu da cadeira e caminhou silenciosamente até o outro lado da sala, onde uma grande janela permitia a visão de uma paisagem com a qual já estava acostumado. Fazia anos que via através da janela aquela floresta cinza de mil prédios que circundavam a empresa que tinha aprendido a amar. Armando, então, se lembrou do jovem que entrara pelas portas da empresa anos atrás. Agora não era mais aquele rapaz. Desafios se apresentaram e foram superados. Alguns com muita luta. Ele sabia que aquele era o maior desafio que tinham já lhe confiado em toda a sua vida. Era “muita” responsabilidade…
– Por que eu? – de repente, perguntou Armando. – Por que logo eu e não outro?
– Eu poderia dizer por varias razões, Armando. Pela sua competência técnica, ou pela sua organização. Poderia dizer também pelo seu senso de dono, que é visível e enorme. Você não veste a camisa da empresa. Você é a empresa. Você vive isso aqui quase o tempo todo. É quase sempre o primeiro a chegar e o último a sair. Você é modelo para todos, inclusive para mim de pontualidade, coerência e de empatia. Isso é impressionante! Você trata todos de modo semelhante, com cordialidade e respeito, mas sem adulações. Do porteiro ao mais alto cargo da empresa. Você é honesto, sincero e assertivo. Diz o que faz e faz o que diz. Até demasiadamente. Acho admirável como você diz sempre o que pensa sem demonstrar muita preocupação com o parecer do staff. Na verdade, por isso, você até contraria o staff… Você sabe disso! – Os dois riram abertamente se recordando, sem precisar citar, das vezes nas quais Armando havia questionado o próprio Pedro Luís.
– E agora você quer que eu pague meus pecados?
– Não! Eu quero que você possa contribuir mais ainda por essa empresa. Chegou a minha hora de pendurar as chuteiras. Quero ir para o interior cuidar de patos e de galinhas. Mas quero ir com a certeza de que indiquei a pessoa certa para o meu lugar.
– Como você pode saber se escolheu a pessoa certa?
– É claro que sei. Eu sou bom no que faço, se esqueceu?
Ambos riram novamente até o silêncio reinar mais uma vez na sala.
– Esse é o problema maior, Pedro. Eu nunca serei como você!
– É claro que não! Você tem outros predicados. Você deve ser você e jamais querer ser eu. Mas é claro que podemos sempre aprender uns com os outros.
– Como faço para fazer um intensivo com você antes da sua saída?
– Isso é impossível. Eu saio na segunda-feira.
– Deus do céu! E agora?
– Agora está nas suas mãos.
– Eu vou aceitar o desafio, Pedro. Não sou de fugir da batalha. Mas, sob uma condição: eu vou precisar de um mentor. Vou precisar dos seus conselhos.
– Você os terá por uma razão simples: somos amigos! Mas, entenda a liderança é também uma função muitas vezes solitária. Há contextos que só você entenderá e decisões que só você poderá tomar. Ser líder exige também fazer um trabalho “sujo”, porque você precisará dizem algum sim e muitos “nãos”. Precisará alinhar a equipe e definir processos que muitas vezes desagradarão algumas pessoas. Precisará inclusive demitir pessoas que não se adequarão a esses processos.
– Pois é… Eu tenho um coração de manteiga!
– Sei que tem. Mas é por isso mesmo que deverá assumir essas tarefas desagradáveis. Entenda: muitos dependem da empresa. Se você não agir em algumas oportunidades com certa firmeza, muitas pessoas e várias famílias poderão não ter mais empresa para trabalhar. É o que você quer?
– Claro que não! Mas, como eu posso me preparar melhor, Pedro? Tenho tanto a aprender!
– Essa é a atitude correta: saber que podemos aprender sempre mais. Eu sei que você gosta de ler e há vários livros excelentes que tratam de liderança. Leia livros técnicos e livros não técnicos. Leia Napoleon Hill, Michael Gladwell, mas leia também Hemingway e Yuval Hahari. Leia “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, mas também leia a “Arte da guerra”. Leia James Hunter, Jim Collins, Peter Drucker, Adam Grant e John Maxwell, mas leia também Fernando Pessoa, Drummond e Clarice Lispector. A razão disso é simples: você deve conhecer as estratégias e os processos, mas, antes de qualquer coisa, você deve entender de gente.
– Gente é sempre complicado, não é?
– Gente é inferno e paraíso, Armando! Gente pode lhe trazer as melhores e as piores experiências. Gente pode lhe mentir e trair. Gente também pode lhe salvar e inspirar. E essa é maior missão do líder: inspirar. Os maiores líderes da humanidade só foram os maiores por causa dessa capacidade de inspirar outras pessoas. Martin Luther King, Gandhi, Madre Teresa, Steve Jobs, Buda… Todos eram sujeitos inspiradores. Alguns nem sequer eram bons oradores. Alguns tinham grandes defeitos. Mas, eles moviam as pessoas pela persistência nas suas causas e, principalmente, porque as inspiravam pelo exemplo. O melhor discurso que existe é o exemplo. Não vai adiantar você falar de pontualidade se você for não for pontual. Não vai adiantar manuais de conduta com mil regras se você – primeiramente – não as cumprir.
– Estava pensando em fazer outro MBA.
– Acho brilhante! Nós devemos sempre estar nos atualizando. Como diz o Djavan “Sabe lá o que é não ter e ter que ter para dar?”. Um líder deve ter um repertório cada vez maior, Armando.
– Sobre o quê?
– Se puder, sobre tudo. Lógico que o tudo é utópico, mas dá sempre para aprender coisas novas. Quando aprendemos coisas novas, sempre evoluímos de alguma forma. Ultimamente, comecei a praticar ioga, sabia? É maravilhoso. E tenho estudado bastante gastronomia. Penso, quem sabe, em abrir uma coisa pequena para mim. Uma cantina de comida italiana…
– Você é um sujeito formidável, Pedro. Você está sempre um passo à frente. Sempre inventando algo, inquieto, curioso…
– Sabe o que acontece, Armando? Eu li certa vez uma frase que fez todo sentido para mim. È de um cara, um estudioso de mitos chamado Joseph Campbell. Ele disse “É na caverna da qual tem medo que está escondido o seu tesouro!”. Entende? Nós vivemos para superar nossos medos. Quando superamos, crescemos. A vida nos impõe obstáculos todos os dias. O que seria de nós se eles não existissem? São eles que nos fortalecem. Temos que aceitar esses chamados que nos fazem crescer e que nos tornam melhores do que somos. É na caverna que está seu tesouro!
– A liderança é a minha caverna, Pedro? É isso que você quis dizer? Você está me entregando esse desafio para que eu cresça?
– Demorou a entender, não foi? – disse Pedro rindo. – Eu estou lhe fazendo esse convite por três razões, Armando. Me diga quais são essas razões.
– Porque eu sou capaz?
– Isso!
– Porque é o melhor para a empresa?
– isso também. E a última?
– Porque eu tenho medo?
– Exato! E eu quero que você entre na caverna e diga quem manda. O maior papel de qualquer líder, Armando, é inspirar novos líderes.
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