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O termômetro

15 de setembro, 2024 - por Max Franco

O amor está nas histórias.

Na verdade, identifica-se o amor nas histórias.

Percebi este detalhe em certa ocasão, meses atrás, porque fomos jantar com dois casais que eram casais de longa data.

Eu sou um colecionador de histórias, por isso escuto-as, geralmente, misturando ofício e hobby. Tenho ouvido treinado para todo tipo de narrativas, portanto consigo identificar suas nuances em poucos segundos e, principalmente, se há motivação genuína ao contá-las ou se são meros relatos requentados e servidos sem louças de primeira. Conheço e classifico histórias faz alguns anos. Sei inclusive avaliar peso, cheiro, textura, volume, sabor e calor de cada uma delas, por isso posso me atrever, então, a dizer que há histórias de todos os tipos. E há também todo tipo de plateia para cada história e para contador de histórias.

Por isso foi fácil encontrar amor e desamor servidos naquela mesa.

A questão foi que um dos casais vibrava com as próprias histórias. E eram histórias igualmente velhas. Histórias contadas e recontadas centenas, talvez milhares de vezes. Ela dizia “amor, conta aquela história!”, e ele espontaneamente o fazia, animado, encorajado, com brilho nos olhos. Ela completava as frases, ria nas pausas, reforçava os momentos mais peculiares do relato. Em outras palavras, era a melhor plateia da história que tão bem conhecia.

O outro casal não podia ser mais diferente. Mas com um agravante: o marido notadamente amava contar histórias. Todo e qualquer assunto à mesa funcionava como um gatilho para os seus relatos. “Eu já contei da vez que viajei para o Japão?”, “contou mil vezes, homem! Ninguém aguenta mais essa história!” Mas ele ignorava os protestos da esposa e contava mesmo assim. Ela reagia virando a cara, puxando outro assunto, às vezes bufava contrariada. Desafortunadamente, ele tinha justamente na sua consorte seu pior público.

Foi ali que me dei conta: quem ama escuta mil vezes a mesma história e continua apreciando ouvi-la. Porque quem ama encontra a si mesmo naquela história. É uma história compartilhada, consentida, consensual, repartida.

Você não acredita nesse índice de medição de amor? Bom… pois faça o teste na próxima ocasião, no próximo jantar com amigos e amados, ou desamigos e desamados.

Conte uma história e descubra se ainda há amor naquela relação.

Porque o amor é uma história de cúmplices.