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Haja hoje
06 de fevereiro, 2023 - por Max Franco
Haja hoje para tanto ontem
– Pai, você mudaria algo seu passado? – perguntou ele no alto dos seus 15 filosóficos anos.
Pensei um pouco antes de responder, porque a questão estava longe de ser simples. Estava mais para para assoalho molhado e cheio de sabão.
-Se pudesse, sim. Seria bom se pudéssemos editar algumas imagens do passado como fazemos com fotos do instagram. Mas a verdade é que não dá. Além disso, não sei se ao modificar algo, não mudaria também fatos importantes que ocorreram depois. A verdade é simples: sou hoje o resultado dessas histórias positivas e negativas. Preferia ter apenas boas lembranças. Mas a Vida não é assim.
-Entre todas coisas, qual a mudança que você gostaria mais de fazer? – interrogou a moça tão amada.
-Ter ganho a megasena da virada.
-Eu também! Mas fora essa! – disse o menino.
-Passar mais tempo com vocês.
-Sério?
-Sério! Perdi tempo demais. Houve um bocado de coisa que não vivi com vocês. Houve momentos nos quais vocês sofreram e eu estava longe. Há também os dias comuns, cotidianos, o jogo na tv, o pão com bolo, a brincadeira à mesa, a birra sem motivo, a soneca da tarde, as coisas pequenas do dia a dia… Eu perdi tanto. – disse represando a lágrima que insistia em se apresentar.
-Mas, pai, nunca sentimos você distante. – falou o menino tentando me consolar e – por isso – empurrando ainda mais melancolia.
-Sentiram. Sei que fiz falta e nunca reclamaram. É disso que mais me arrependo. Eu sinto que não tenho mais tanto tempo quanto tive. A ampulheta da vida está esvaindo toda a areia e não consigo retê-la por mais que tente.
A garota pensou um pouco e me assustou com uma frase tão madura que não deveria caber em alguém tão jovem:
-Pai, é verdade que fez falta. Você não estava aqui em vários momentos importantes. Você não estava no dia da minha matrícula na universidade, por exemplo. Mas vejo meus colegas e amigos e não vejo ninguém com o companheirismo que temos com você.
-Além disso, pai, não adianta mesmo se arrepender. Imagine se você achasse que estava com uma doença fatal e que iria morrer em poucos dias. De repente, você descobre que essa informação era falsa. Você se vê bem e saudável, com toda a vida pela frente. Você ficaria radiante, não ficaria? Você iria ficar destilando o passado ou focaria no presente?
Surpreso com a sagacidade dos dois, tentei não parecer o velho bobo que estava parecendo, ou, de fato, sendo.
-Shakespeare, na peça Othelo, dizia: “Lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente”. – comentei. -Mas talvez seja bom mesmo sofrer de novo para não errarmos mais.
– Mas Machado de Assis dizia: “Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa de apagar o caso escrito.” – rebateu o menor já que tinha se tornado o maior de todos à mesa.
-É verdade, filho! Talvez eu esteja me tornando velho e sentimental
-Sentimental você sempre foi e velho – preciso lhe dizer – está cada dia mais. Porém é sempre melhor estar velho e vivo.
– Não foi você que nos disse que bastaria um antepassado nosso ter virado a esquina para nós não existirmos. A vida é efeito borboleta, pai. Bastaria uma pequena mudança de decisão para muita coisa boa que existe hoje na sua vida nem sequer ter acontecido.
-Temos todos os próximos dias, pai.
-E temos, principalmente, hoje e agora.
– Por que vocês são tão inteligentes?
-Foi o acaso também.
-Foi não. Foi hereditariedade!
-Pois vou pedir um chopp e você vai dirigir, garota!
– Ah, pai…
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