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A era de Loki

02 de novembro, 2016 - por Max Franco

Cá estou eu mais uma vez surrando palavras a fim de tentar decifrar o indecifrável. Serei apenas eu que varo a madrugada agarrado ao travesseiro das minhas cismas? Não sei. Há de existir mais gente desajustada por aí. Afinal, não é exatamente o que sou? Um sujeito que nunca se ajustou plenamente às regras bizarras dos vigentes e viventes. Fato que é um espinho fincado na alma, que sempre incomoda e jamais se acomoda. É isso que penso sobre as pessoas. Todos tem seus respectivos espinhos. A maioria aprende a viver com eles. Tornam-se espinhos particulares, quase de estimação, espinhos-pets. Aos meus, eu não me adapto.

Hoje, quero falar de Loki. Sim, o deus travesso dos nórdicos. O deus que também é dito gigante, que pode se transfigurar e tomar qualquer aparência. Há quem diga que é um deus mau, mas podemos vê-lo também se associando a boas causas. Loki é um deus complexo.

Não sei dizer se todas as culturas tem o seu Loki. Mas, sei que deuses brincalhões são comuns em muitas mitologias. O Brasil tem a sua entidade trapaceira que é o saci; a Irlanda, os seus duendes. Krishna, uma das maiores divindades hindus, é comumente representada como um deus-criança, com uma flauta na mão, um deus brincalhão. Eleguá, das crenças afro, representado por Santo Antônio de Pádua, é o dono do destino e porteiro que abre ou fecha os caminhos para a felicidade. Como é de se esperar, é um cara muito travesso. Diria imprevisível. Há também Mercúrio, na mitologia romana; Hermes, na mitologia grega; Puck, nas ilhas britânicas e Exu, na mitologia iorubá. Na verdade, todos são tricksters, pregadores de peças, reis dos truques, trapaceiros.

Nas religiões monoteístas, quem personificaria o deus brincalhão? Seria Lúcifer? Cristãos, judeus e muçulmanos não acreditam em trapaças? É bom sempre nos lembrarmos que, em muitas ocasiões e diversos mitos, o deus brincalhão é o herói da trama. Parace estranho, não é? Entretanto, cada deus é o retrato de uma época e traz as características culturais de um lugar. Thor, por exemplo, já mereceu sacrifícios humanos. Hoje é um herói da Marvel que merece filmes.

Por que esse assunto povoou a minha mente nessa noite? A razão é simples. Tenho cogitado se, nesses tempos, não estaríamos justamente sob o domínio de Loki.

Eu olho para as acontecências do mundo e fico aparvalhado. Assisto aos noticiários com aquela incredulidade dos viajantes não ambientados aos costumes bizarros da nova cultura. É isso que considero que sou no mundo, um imigrante. Eu vejo, ouço, participo aqui e ali, mas não entendo patavina.

Eu acompanho as notícias e me vem o pensamento se não estão nos pregando uma peça.

A minha tênue esperança é que seja realmente a mão de Loki em tudo. Afinal, Loki, o louco, é um ser complexo. Hoje ele trama contra, amanhã ele salva o dia. Loki é de lua. Quem sabe, o deus de veneta, repentinamente, num arroubo de generosidade e de inexplicável compaixão pela raça humana, muda de rumo e começa a interferir para o nosso bem comum.

A outra possibilidade é ainda mais sinistra, porque não poderemos esperar muita ajuda oriunda dos céus ou de outros setores metafísicos. O deus único não aparenta grandes mudanças na sua política não intervencionista. Ou se ele interfere, é bem difícil de entender a sua lógica. Aí – veja só que loucura – os nossos destinos estariam restritos às nossas pobres e fracas mãos. Que absurdo!

Por via das dúvidas, vou acender aqui a minha vela para Santo Antônio de Pádua.

#storytelling #mitologia

reynolds-puck Puck

imageEleguá

image Krishna