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A saudade indesejada
02 de novembro, 2019 - por Max Franco
É bem normal que tenhamos saudades. O passado, muitas vezes, é um céu estrelado, onde brilham momentos que se tornaram especiais, seja porque ocorreram realmente de forma brilhante, seja porque a nossa memória os reeditou da maneira que mais nos agradasse. Afinal, a memória também nos conta histórias que jamais aconteceram.
A saudade, portanto, conta histórias e, como boa storyteller, gourmetiza e glamouriza as nossas lembranças. Mas quem jamais padeceu de saudades? Saudade, afinal, é troço humano. É da gente e das gentes.
Entretanto, é bem possível que a saudade seja apenas isso: a oportunidade de saudar momentos, pessoas e lugares que ficaram no passado. É – a rigor – um cumprimento. Um “oi” que oferecemos ao que passou e que foi bom.
A dura verdade é que nem sempre o que foi deveria ainda ser. Nós vemos pelas séries e pelos filmes o que ocorre com o que não morre direito. Os viventes nascem e morrem. Essa é a natureza de tudo que vive debaixo do céu. Ninguém merece se tornar zumbi depois de morto. É claro que (alguns) fazem falta. E muita. Porém, a natureza nem a ciência (ainda) oferece 2a chance. A natureza, na verdade, afirma: morreu, deixa morto!
Os brinquedos da meninice merecem saudações, mas não obrigatoriamente os queremos de volta. As brincadeiras da infância são importantes porque estão, todas elas, nas prateleiras das nossas lembranças. Nem tudo que está nos armários precisa ser retirado e colocado sobre a mesa. Há coisa que existe para não ser resgatada. Há coisa que merece ser pretérita porque não conjuga mais com o presente.
A questão da saudade é que não somos nós, na verdade, que definimos a nossa história. É a nossa história que nos define.
Podemos até contar para nós mesmos milhões de relatos para tentar nos convencer disso ou daquilo. A memória também nos prega peças e sussurra nos nossos ouvidos lembranças de fatos que jamais vivemos da forma que pensamos.
Podemos até dizer a nós mesmos que somos capazes disso ou daquilo e que definimos o nosso futuro, mas, na verdade, é controlamos pouquíssimo quaisquer coisas. Não controlamos facilmente nem sequer o nosso peso, nossas emoções ou nossos pensamentos, imagina as vicissitudes do mundo. Controlamos pouco e definimos menos ainda o nosso futuro. Somos sujeitos ao Deus do Acaso, às intempéries, às condições geográficas, às predisposições históricas, às prerrogativas políticas, às intervenções alheias e, algumas vezes, àquilo que escolhemos.
Somos o que somos por tudo que fomos e pelo mundo no qual estamos inseridos. Ninguém passa incólume aos seus arredores.
Somos alguma biologia, pouca filosofia e muita história.
E as saudades, o que são?
– Efeitos colaterais do que não existe mais.
Ninguém tem saudade, afinal, do que tem à mão ou do que encara todo dia.
Mas, ter saudades não significa – obrigatoriamente – querer de volta.
Podemos saudar o passado sem oferecer lugar à mesa. Sem querer aqui e agora o que já foi.
Seguir adiante sem olhar para trás é das ações mais duras e necessárias que um sujeito possa empreender. Dói porque, lá atrás, em alguma esquina, algo de bom também ficou. Entretanto, é importante para que algo de bom ocorra em novo endereço, lá na frente.
A verdade é que, de alguma forma, todos aqueles que olham para trás se transformam em estátuas de sal.
Por quê?
Porque – no final – é o velho Heráclito que tem razão e “um homem jamais se banha no mesmo rio duas vezes”!
E Belchior, mais ainda: “o passado é uma roupa que não nos serve mais”.
Tudo muda(…)
A Vida é mobile.
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