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A vida é filme
30 de setembro, 2016 - por Max Franco
O velho me acordava no meio da madrugada para assistir aos clássicos. Desta forma, acabei consumindo um bocado de coisa boa na famosa “Sessão de gala”: Dr.Jivago, Guerra e paz, Sete homens e um destino, Cleópatra, Quo Vadis, Por quem dobram os sinos, Os brutos também amam, e por aí vai. Virei expert em filme antigo.
Meu pai não entendia patavina de técnica e mal sabia quem havia sido o diretor de algum filme que gostasse. No entanto, o principal ele fazia: mergulhava profundamente na história. A sua apreciação dos filmes não tinha nada de acadêmica. Ele não discutia fotografia, trilha sonora, ângulos de câmera e estéticas. Era uma relação afetiva, quase infantil, do homem com seus heróis. Algo bonito de se ver.
É exatamente da mesma forma com a qual me relaciono com o mundo da ficção. É só a emoção que me importa. Eu paguei por algumas horas de viagem. Por favor, me leve e me traga de volta com boas lembranças. É só o que me importa.
Foi pensando sobre esta minha relação emocional com a ficção que o espírito de outra analogia se materializou para argumentar comigo. Talvez, seja para isso que eu sirva. Sou uma espécie de médium de ideias desencarnadas. Ideias completamente gratuitas, avulsas e contraproducentes. Ideias, a rigor, desnecessárias.
É recorrente que afirmem por aí que “A minha vida daria um filme”. Eu já ouvi isso mais vezes que já assisti a filmes. E eu tenho que concordar. De fato, a vida de todo mundo daria um filme. Mas, quem iria pagar o ingresso para conferi-la? Seria uma boa produção ou um filme B? Vida real daria bons filmes?
– Eu duvido. As pessoas não querem ver a vida como ela é. Ninguém paga para ver a realidade. Só o que importa é o show.
A razão deste comportamento é natural e se resume numa só conclusão, simples, mas dolorosamente verdadeira: a vida das pessoas é muito chata. Filme serve para fugir da vida e não para encontrá-la com a tela e o som de IMAX.
A vida pode ter seus recursos 3D e 4D, mil megapixels de imagem, som surround de última geração, mas ela padece de sérias dificuldades de roteiro e elenco. Afinal, você pode até cogitar a possibilidade de que tenha sido você quem escolheu os atores do seu filme, quando, na verdade, você selecionou pouquíssimos. Você não escolheu seus familiares, e, na maioria das vezes, também não escolheu seus colegas de classe na escola ou no trabalho. Você apenas garimpou alguns amigos entre as pessoas que se apresentaram na sua vida. Eu, por exemplo, adoraria ser amigo do Hugh Laurie, da Julia Roberts e do Bono. Quais são as minhas chances?
E o roteiro, é você quem escreve? Não mesmo. Você é só coautor. Alguns tem parceria majoritária, mas a grande maioria exerce uma influência microscópica sobre a própria vida. O sujeito é apenas coadjuvante do seu filme. Às vezes, um figurante. Tudo depende do limiar de decisões que você tem autonomia para tomar. É uma questão de quem toma as rédeas da sua carruagem. Quem guia a sua vida?
Por mais que você conduza direitinho e tenha destinos definidos, nada garante que você vai alcançá-los. Na vida, não dá para combinar com os russos. Na vida, há sempre o inesperado, o improviso, o imprevisível. Vida é troço desroteirizado.
Há decisões que não são nossas e decisões realizadas pelo Sobrenatural da Silva (como dizia o Nelson). O acaso existe e prova que existe, principalmente, no dia em que você considera que tudo está controlado.
Foi uma das coisas que aprendi na vida: por mais que você ache que tudo está dominado, na verdade, está longe disso. A vida é touro brabo, é animal selvagem, é besta arredia. Você deve fazer de tudo, usar tudo o que tem para domar esta fera. Mas, lembre-se, ela não é de confiança.
Por mais que os tolos, profetas ou charlatães da autoajuda ou das profissões de fé adorem repetir que basta pensar positivo e acreditar, qualquer cidadão sensato tem ciência que nada está seguro nesta vida. O nosso controle é, na verdade, fantasia.
Exatamente como eu digo quando assisto a filmes com meu filho: “É tudo fantasia, filho!”.
Mas o que seria a vida sem fantasias, não é?!
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