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As saudades das chuvas

14 de abril, 2024 - por Max Franco

A definição de velhice deve ter algo a ver com a capacidade de associar tudo que ocorre a algum fato passado. E – lógico – quanto mais no passado for o passado, mas velho você deve ser. É o pretérito-mais-que-perfeito mesmo quando foi longe de ser perfeito.
Jovem não associa nada a coisa pretérita. Jovem talvez não associe nada a coisa alguma. Jovem mal vê e já vai se atirando, depois posta um story com a legenda “fui” ou, sei lá, “Na moral”!
Eu não sei bem o que significa “Na moral”, e por isso olho as coisas e me lembro de outras coisas. É o que digo: sintoma de velhice.
Hoje – por exemplo – choveu.
Eu já declarei e continuo declarando: sou pessoa pluviosa.
Amo a chuva.
Mas é amor do tipo condicional. Se me atrapalhar muito, desamo fácil.
Naquele dia, porém, nada me restava – senão – passar horas no trânsito, olhos à frente, retinas no passado.
Quando chovia e eu era garoto, os moleques da Parangaba se reuniam na rua como houvesse uma sirene para nos convocar.
Sob a chuva, corríamos feito loucos saltando nas poças de água, revezando as bicas, empurrando os outros na lama, chutando bolas de fantasia. Era um caos retumbante. E tudo orquestrado numa gritaria recheada de risadas.
Não havia nem asfalto nem calçamento da nossa rua-playground, o que só facilitava a nossa felicidade ensopada.
Mas, o que mais me lembro era do cheiro: o aroma de terra úmida, encharcada. Naquela época, éramos molhados, enquanto, hoje, somos todos secos, quase áridos.
E ninguém mais sente o perfume da terra molhada. Viramos gente demasiadamente enxuta.
Quem me conhece sabe que não sou de cevar reminiscências. Sou amiúde um homem do meu tempo, hodiermo, cotidiano. Um sujeito afeito ao hoje. Mas há desses dias nos quais as lembranças me flagram desavisado, e me vejo lustrando antiguidades.
– Como está aquela gente?
Sei pouco ou nada.
Sei apenas das minhas (parcas) conhecenças.

Sei, porém, que há gente que aprecia comedido, amigalhadamente.

Há quem preze com conta gotas, posologicamente.

Há ainda quem goste com planilhas de excel a tiracolo, contabilmente.
E há outros que controlam o afeto por aplicativo, reguladamente.
Já nós, não. Nós nos amamos com amor doce-abandono, em qualquer tempo e lugar, relogiosamente.
Um monte de vezes tenho em mente que mente o amor o amante que ama os amados meticulosamente.