http://www.maxfranco.com.br/cronicas/da-satisfacao-do-cliente/
Da satisfação do cliente
14 de outubro, 2019 - por Max Franco
Certa vez, mantive um diálogo rápido, mas interessante com um coveiro. Era noite tardia e estávamos vagando entre os túmulos em busca do local de repouso eterno do meu pai.
Na verdade, do meu pai não, dos restos mortais do mesmo. Meu pai não estava ali.
O endereço mais apropriado do meu pai, naqueles tempos e nos atuais, é no paraíso e no purgatório das lembranças de quem conviveu com ele.
Mas, sei-lá-por-qual-motivo, quis ver o terreninho diminuto onde estava enterrado.
– Sempre quis fazer uma pergunta para um… profissional do seu ramo.
– Coveiro, moço. O nome é coveiro.
– Isso. Pois é. Sempre tive a curiosidade de perguntar…
– Se a gente já viu alguma marmota, não é? – disse ele rindo um sorriso banguelo. – Todo mundo me pergunta isso.
– Pois é! Isso mesmo! – assenti, contrariado por ceder a um lugar-comum. Detesto ser clichê até em cemitério. – Mas o senhor já viu ou não alguma marmota por aqui?!
– Marmota só de gente viva. De gente morta, nunca.
Parei um pouco e pensei em como elaborar de forma melhor a pergunta. Observei que era um homem sem grande educação formal e tentei alinhar a linguagem às suas expectativas.
-Não viu nenhuma visagem, seu José?
-Essas coisas não existem, seu moço. Gente morta fica morta ou fica viva do lado de lá, coisa que também não sei nem me importa. A vida é aqui. É só essa mesmo.
Um coveiro niilista, foi o que pensei. Veja só!
O homem continuou a prosa apontando um ou outro túmulo a fim de me contar a história do defunto.
– Aquela morreu de suicídio. Tinha um metro e setenta, mas enterrei só um metro. Ela caiu de pé, sabe? Ela se jogou do décimo andar e caiu de pé. Enterrei um metro.
Enquanto a gente vive de vida, ele vive de morte, nada mais natural que a morte seja seu assunto cotidiano. Morte, para ele, é ganha-pão.
– Aquele morreu de bala…
– Mas, me diz uma coisa, seu José – me apressei a elaborar uma pergunta antes que mais uma desgraça viesse à pauta. – O senhor gosta do seu trabalho?
– Tenho o melhor trabalho do mundo, seu moço. Pra dizer a verdade a clientela aqui é ótima. Nunca me reclamou de nada! Mas ninguém agradece…
Foi aí que percebi que há apenas dois profissionais que não costumam receber agradecimentos depois dos seus serviços: coveiro e professor.
Comentários