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Das desumanidades
16 de outubro, 2018 - por Max Franco
Eu ainda acredito na humanidade, mas talvez seja por teimosia.
Renato Russo dizia numa música “a humanidade é desumana, mas ainda temos chance. O sol nasce para todos!”
A questão talvez seja exatamente esta: a humanidade da humanidade, e não a desumanidade. Só somos perniciosos justamente porque somos humanos.
Nestes parcos anos deste confuso século XXI, já contemplamos uma vasta sorte de acontecimentos e comportamentos que justificaria uma atitude descrédito em relação ao ser humano. Meu amigo Rodrigo costuma repetir que o ser humano é um bicho que não deu certo.
É verdade que muitos esperavam o melhor. Que o século XXI seria um período de “passar a limpo” a história da humanidade, alguns comemoravam a Era de aquário, o fim da guerra fria, a queda do muro de Berlim, a globalização em marcha, a derrocada dos fundamentalismos, porém ninguém, nem o mais imaginativo dos futuristas imaginava o que sucederia. O 11 de setembro, ocorrido em 2001, foi um prenúncio adequado para o que viria depois. Uma overture alucinada e coerente para um século surrealista digno dos delírios mais loucos de Dali.
Particularmente, não saberia dizer se a humanidade está pior ou melhor. Mas sei que é muito diferente do que se pensava.
O século XXI enfrenta mais mazelas do que o anterior? Algumas foram banidas ou praticamente extintas. Algumas doenças foram superadas. A aids, ebola e poliomielite não assustam mais como antes. Mas, outras doenças estão em voga e a todo vapor. Diziam antes que a depressão era o mal do século XX. Pois o século XXI ficou com ciúmes e adotou mais do que em qualquer época a “doença da alma”.
Por sua vez, o século XX foi o mais sangrento de todos. Duas guerras mundiais conseguiram massificar a morte com uma escala jamais vista antes. Em compensação, no século XXI, o campo de batalha é a primeira esquina, é a banca de revistas, a saída do banco, a casa de show em Paris, a praça de Londres, seja pela violência nossa de cada dia, seja pelo terrorismo que se espalha pelo mundo. O ser humano gosta de odiar e faz isso com grande competência. Já amar, o fazemos com economia.
O século XXI tem seus desafios: justiça, igualdade social, diversidade, imigração, fundamentalismo religioso, pós-verdade, nacionalismo, meio ambiente, preconceitos… Não faltam pautas para a humanidade se debruçar. A questão, entretanto, que reputo como uma das mais graves é a desilusão. As pessoas acreditam pouco e, pior, quando acreditam, geralmente, acreditam errado.
Um sujeito, afinal, que entra nas fileiras do estado islâmico ou em um grupo de jovens neonazistas – decerto – acredita. Ele tem uma causa e é capaz de matar ou morrer por ela. Isso demonstra que nem sempre acreditar em ideais é um bom negócio. O século XX foi pródigo em derrubar ideologias. Algumas deveriam mesmo ter ficado sepultadas. Mas há ideologias zumbis. Mesmo mortas caminham por aí desejando devorar cérebros e o fazem costumeiramente.
O comunismo, por exemplo, ainda resiste. Mais na cabeça de alguns intelectuais saudosistas de um passado que nunca existiu e, claro, em diretórios estudantis, do que nos países que se dizem comunistas.
O capitalismo sobrevive pela falta de um sistema melhor. É o tal mal necessário. Mas funciona mal. Não há o menor sentido que 1% da humanidade detenha metade da riqueza produzida. As cem pessoas mais ricas do mundo possuem mais do que 4 bilhões de seres humanos. É uma sandice sem igual! O resultado é simples: muitos padecem enquanto poucos, pouquíssimos, se refestelam afogados em benesses. Eu não chamaria esse fenômeno de “funcionar”.
No meio desse deserto de causas válidas, o que é inútil se torna essencial. As pessoas sedentas de emoções e de sentidos para as suas vidas vazias se engalfinham diuturnamente em busca de compensar e preencher seus abismos existenciais. Geralmente, o escape assume várias formas de uma só prática: a ganância. Só o que importa é a importância. De quê? Simples, de grana.
Essa atitude não é recente. Mas, antigamente, talvez não fosse tão exposta. Hoje, as pessoas perderam a vergonha de demonstrar a sua ganância. Em muitos ambientes, é até confundida com ambição, com proatividade, com prosperidade.
Grana é sempre bem-vinda. Quem sou eu para negá-la. A eterna questão é o que você está disposto a negociar para tê-la no bolso. Vender a própria alma virou atitude corriqueira. O problema é quando estamos dispostos a vender a alma alheia, e em suaves prestações.
A humanidade continua essa massa hostil, ávida de coisas, vazia de sentidos, belicosa e desnorteada. Difícil de confiar.
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