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Das histórias e das viagens

25 de dezembro, 2018 - por Max Franco

É sobre as narrativas que inspiram viagens que esse cronista deseja falar.

Mas, por qual motivo – com tanta coisa para se falar – este narrador almeja tratar exatamente sobre essa questão particular? A resposta para essa pergunta é fácil: porque é sempre mais aprazível se falar do que toca ao coração. Afinal, tratar da sinergia entre viagens e narrativas é versar sobre os sonhos de um garoto de subúrbio que, desde cedo, vivia abraçado aos livros.

O Garoto também tinha um pai leitor. Um pai que entra na marinha sonhando com Acapulco de Elvis ou com a Roma de Mastroianni, mas que acaba sem jamais sair dos portos limpando convés como todo marinheiro de parca divisa. Os sonhos, porém, tais quais o sangue, os livros e a duvidosa inclinação pelo Vasco da Gama, seguem adiante para a outra geração. Isto é, para o tal Garoto.

O Garoto, então, consome livros e produz sonhos. Ele lê Agatha Christie, Oscar Wilde e Conan Doyle e se vê de sobretudo caminhando pela Oxford street.  Ele lê Hemingway e considera Paris um festa. Ele Tolstoi e Dostoievski e aplaca o frio glacial do Parque Gorki se cobrindo com o lençol fino no calor da Parangaba. Nosso Garoto é bom de ler, e mais ainda de sonhar.

Anos depois, o Pai do Garoto, o Marinheiro de parca divisa, está todo orgulhoso. O Filho, aquele Garoto que vivia abraçado aos livros, não mais só sonhava com os lugares descritos no que tanto lia. O Garoto cresce, ganha o mundo e ganha os lugares das narrativas:. Itália, França, Alemanha… até Londres de sobretudo preto e garboso.  O Garoto, então crescido, realiza os sonhos do Pai leitor. Ele leva os sapatos ainda cobertos da poeira da Parangaba para as mais diversas latitudes. Sapatos que pisarão as calçadas portuguesas do Rio e de Lisboa. Que pisarão os assoalhos dos castelos, museus e palácios da Europa. Que pisarão muitas das páginas dos inúmeros livros lera.

“Pai, estou na Grécia. Em Atenas. Eu estou na terra de Sócrates, Aristóteles e Platão. Ontem estive na Plaka…”, o Pai parece radiante ao telefone. Mas, o Pai na verdade estava morrendo. Duas semanas depois do retorno do Garoto, o Marinheiro de parca divisa faz o seu último embarque rumo ao desconhecido. “Ele lhe esperou, meu filho!”, lhe disse a Mãe. Há sempre viagens que nem as lágrimas convencem em ter volta.

O Pai morrera, porque morrer é coisa passiva e passível da vida. Morreu porque, como diz Guimarães Rosa, “A gente morre é para provar que viveu” (ROSA, 1994, p 95). Entretanto, lhe deixa um legado: uma paixão por letras e paisagens e músicas e praças e ruas e mercados e gentes e línguas e cheiros e sabores e esquinas, esquinas e mais esquinas.

É sobre essas esquinas que ele deseja tratar quando se torna Escritor. As esquinas de lá e de cá. O Garoto leu tantas histórias sobre tantos lugares que, então,  deseja contar as próprias. Mas as histórias não seriam só sobre lá e acolá, onde estivera e com que sonhara. E, sim, principalmente, sobre aqui. O “Aqui” por excelência, a sua cidade. Ele quer personagens que caminhem pela sua terra, que comam pastel com caldo de cana na Praça do Ferreira, que tomem cajuína, que falem com o sotaque da sua gente, que usem as suas expressões, que sejam as manifestações dessa capital que tem a própria identidade.

Depois de tantas histórias e viagens, nada seria mais natural do que falar da relação de afeto e emoção que existe nessa transição do Garoto-leitor para o Garoto-Viajante. Afinal, o Garoto-Dissertador deseja falar dos seus afetos e pouca coisa ainda lhe é mais cara do que devorar palavras e quilômetros.

Histórias e Viagens são elementos complementares de tal forma que não se sabe quem funciona como inspiração para quem. Viagens geram histórias da mesma maneira que histórias motivam viagens. Histórias e Viagens são do ser humano há milhares de anos e não há nenhum indício que deixarão de ser.

É sobre essa antiga, simbiótica e frutuosa relação que esse cronista deseja falar, o casamento entre Viagens e Histórias. E o seu lugar de fala não pode ser outro: é aquele quarto quente e pequeno de uma casinha simples na Parangaba. O lugar onde o Garoto lia sobre outros lugares, sobre o mais encantadores lugares. Leituras que lhe fizeram viajar antes, durante e depois das suas viagens.

Viajar não é apenas uma construção social, um desejo de descanso, uma aspiração por férias ou um exercício de vaidade. Viajar é a escuta do um grito antigo, que ecoa por gerações nas profundezas do ser humano e de ser humano.

Viajamos porque a fila do pão não emana emoção. Viajamos porque o escritório é árido no seu fornecimento diário de experiências. Viajamos porque o trânsito é lento e as notícias são as mesmas. Viajamos por causa do chefe, do cunhado, do desafeto e da sogra. Viajamos por causa do vizinho, pela viagem do vizinho, pelo vizinho do vizinho. Viajamos porque o comum cheira a bolor e o comum rima com tédio. pelo novo.

Viajamos porque aspiramos pelo novo.

Viajamos porque, como diz Ferreira Gullar, “A vida não basta”!

Viajamos porque temos saudade do que não vivemos.

Viajamos porque temos ciúmes das emoções alheias.

Viajamos porque “nem só de pão vive o homem”, mas de palavras.

Viajamos porque lemos, assistimos, avistamos.

Viajamos porque queremos viver histórias.