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Odeio tutoriais

24 de novembro, 2021 - por Max Franco

Certa vez , conta-se, um jovem de 15 anos, músico iniciante de Praga, enviou uma carta meio atrevida para, nada mais, nada menos, do que Wolfgang Amadeus Mozart. Na missiva, o garoto pedia dicas de como escrever uma ópera a Mozart. O grande músico respondeu ao rapaz que ele ainda era muito jovem para criar uma ópera e que deveria se dedicar mais aos estudos para conseguir fazê-lo.

-Mas, você escreveu a sua primeira ópera aos 9 anos, Mozart? Como assim sou muito jovem? – perguntou o jovem.

– Eu tinha 9 anos, mas eu não precisei pedir dicas a ninguém. – respondeu-lhe Mozart.

Nos últimos anos, em qualquer lista realizada sobre as competências desejadas em relação às habilidades de um profissional moderno sempre aparece a “capacidade de resolver problemas complexos”. Em outras palavras, a sociedade e o mercado de trabalho precisam de sujeitos que sejam cada vez mais capazes de ponderar, analisar, criticar, planejar, refletir, improvisar, avaliar… Tudo com a franca intenção de criar soluções para questões antigas e novas, simples e complicadas, hoje, amanhã, sempre. Resumindo: necessitamos de pessoas que pensem.

A despeito da urgente demanda dessa profícua habilidade, a verdade não reside no fato de que nos dedicamos cada vez menos à tarefa de pensar? Não estamos, o tempo inteiro, fugindo das reflexão?

Observe:

– Quem lê ou escuta textos longos?

– Quem ainda lê livros com frequência e livros que peçam esforços para serem lidos?

– Quem assiste a filmes e séries que exijam alguma capacidade de raciocínio?

– Quem frequenta o Teatro, exposições de arte e apresentações de dança?

– Quem medita?

– Quem se dedica a atividades novas que requisitem certo empenho para serem executadas?

– Quem reserva um tempo do seu dia para matutar sobre seus atos e planejar o futuro?

Então, como podemos treinar a cabeça a pensar se fugimos, o tempo todo, do exercício do pensamento?

E o pior é que este estilo raso, pragmático e automatizante está invadindo todas as áreas, inclusive, aquela que – por natureza – deveria se dedicar a formar seres pensantes. Isso mesmo: a Educação.

Afinal, não faltam cursos e instituições que prometam fornecer, objetivamente, rapidamente, automaticamente, claramente, os métodos, os segredos, as técnicas necessárias para você alcançar o sucesso, a performance, o desempenho, em quaisquer áreas nas quais queira se dedicar. Você – decerto – irá receber diversas dicas fundamentais para o seu desenvolvimento como profissional. Só não vai aprender a pensar.

E como não saberá pensar, não será capaz de propor novos caminhos, nem de solucionar outras questões, nem sequer criar coisa alguma. É que o habitat da criatividade não é o mesmo da superficialidade.

Mas, há tutorial para tudo e sete dicas para mais tudo ainda.

Só não há nem sequer um tutorial que nos ensine a pensar.

E como pensar é uma operação das faculdades humanas, precisamos também aprender a exercitá-lo.

Qual tutorial Steve Jobs, Einstein, Arendt, Chaplin, Lispector, Hemingway, Shakespeare, Lennon, Senna, Pelé, Mozart, Machado, Montessori, Sócrates, Pessoa e tantos outros exímios exemplares da humanidade fizeram uso para se tornarem quem se tornaram? Ao invés, hoje, temos tutoriais para tudo. Porém quantos Beethovens você conhece? As informações estão à distância de um clic para bilhões de pessoas em todo o mundo. Em compensação, com quantos Da Vincis você já trombou na calçada? Com quantos Michelângelos você já encontrou na fila do pão?

Malcolm Gladwell, no seu livro Outliers (Fora de série), afirma que todos os indivíduos que se tornaram virtuosos naquilo que se propuseram a fazer, precisaram se dedicar – ao menos – por 10 mil horas àquela respectiva atividade. Ele vai, então, relatar as experiências dos Beatles, de Ernest Hemingway, Bill Gates, entre outros, para demonstrar a veracidade da sua postulação.

-10 mil horas para ser verdadeiramente bom naquilo que se propõe a fazer. Isto é a antítese da cultura do tutorial, do quanto menos melhor, do quanto mais curto melhor, do 7 dicas para sei-lá-o-quê.

É que informação é uma coisa. Conhecimento, outra. Sabedoria, por sua vez, pede repertório, experiência, leitura, consulta, estudo, prática, criticidade, profundidade e, muita, demasiada, reflexão.

A Virtude, meu caro, minha cara, se alimenta de Tempo dedicado.