https://www.maxfranco.com.br/cronicas/pet-nao-e-filho/
Pet não é filho
26 de janeiro, 2025 - por Max Franco
Pet não é filho. Cachorro não é gente.
Não popular declarar algo do gênero atualmente, com tantos papais e mamães de gatos ecachorros por aí, mas isso é apenas um fato.
Entretanto, quem foi que disse que só podemos amar pessoas? Quem determinou que o objeto dos nossos afetos deve, obrigatoriamente, ser humano?
A gente ama quem consegue e se dispõe a amar. Na verdade, às vezes ama até quem não quis amar.
Eu – por exemplo – amei a Vasca por acidente. Comprei-a há 14 anos em um semáforo de Fortaleza. Meu filho pediu-a insistentemente quando um sujeito a ofereceu no meio da rua. Estes 25 reais acabariam se tornando os mais caros e demandantes da minha vida.
Ela não parecia ter grande pedigree, mas parecia muito com uma fox paulistinha meio mestiça com sei-lá-o-quê. Desde cedo, se demonstrou tanto afetuosa quanto arisca. “Ela morde?”, perguntavam. Ao que eu respondia “morde”. E ela mordia mesmo. Odiava motociclistas, ciclistas, pedestres, cães e gente que vinha afagá-la sem convite. Não gostava de movimentos bruscos nem de sustos, por isso, houve ocasiões nas quais mordia até as pessoas de casa. Lembro-me da vez em que a Rebeca escorregou, caiu no chão e a Vasca completou o serviço mordendo-a. Além da queda, a mordida.
Falando assim, fica até difícil se entender como a doguinha era afetuosa. E era demasiadamente. Vasquinha não só oferecia afagos quanto pedia-os insistentemente. Nas noites de chuva e trovões, assustada, se sentava em cima do primeiro que encontrasse. Quando fazia frio, pulava sobre a cama e se aninhava no meio de nós. Às seis da manhã, nos acordava para comer e ir passear. Nem sempre era agradável seguir seus reclames e hoje me penitencio por não ter sido, sempre, tão solícito quanto deveria. É que a gente só valoriza quando perde, não é? É clichê dizê-lo, mas nem por isso menos verdade.
Na minha separação, Vasquinha ficou como espólio. Pouca coisa ficou. E eu não a queria, mas ela veio mesmo assim. Ainda bem, porque a minha vida teria sido bem vazia sem ela. Mudei de estado e endereço três vezes, e ela comigo. No dia em que me acidentei, meu carro rodou na pista banhada pela chuva e acertei de frente aquele bloco de concreto na estrada, a cachorra estava comigo. Nas diversas noites de Natal, por vários anos, ela me fez companhia e compartilhou das lasanhas (ela amava massas!). Nos longos meses de pandemia, ela dissipou a solidão quase completa. Quando me mudei para São Paulo, adivinha quem me acompanhou?
Este texto não é outra versão de Marley e eu. É um texto de registro e uma homenagem. Preciso registrar que fui amado por um animal. E que também acabei amando esta cadelinha.
Vasca amava a todos que com ela viveram. E foi amada também por todos. Ninguém tinha opção. A cachorra não dava essa alternativa.
Assim que a Rebeca se sentava no sofá, ela pulava do lado para dar e receber carinhos. Não sei quantas vezes as vi dormindo juntas na cama. A frase “não quero cachorro na minha cama” vigorou por pouquíssimo tempo.
-Acho que quem mais te amou na vida foi a Vasquinha! – disse-me a Rebeca depois da morte da bichinha.
-Mas tem a Cleide em primeiro lugar. – respondi-lhe. Cleide era o nome da minha mãe.
Não há nada que tome o lugar do amor. Amor não se substitui nem se fabrica. Não há próteses de amor nem repositórios. Quando se perde um amor, é sempre uma tragédia. O que a Vasca me ensinou é que os bichos também amam e podem ser amados. A Vida é assim: Ela nos presenteia para, depois, ter o cruel prazer de nos retirar, um por um, tudo que amamos.
Meus filhos, Arthur e Ingrid, verteram dilúvios de lágrimas com o seu falecimento recente. O que é bastante justificável, porque conviveram com ela quase por toda a vida. Ela se foi e ficou um vazio duro de lidar. Ficaram as faltas das rotinas que existiam por causa dela. Ficaram suas coisinhas, a caminha que amava, o cobertorzinho, os pratinhos e o frango de borracha, do qual morria de ciúmes. A saudade ocupou o seu lugar.
A Vasca não era gente, mas era melhor do que muita.
Também não era minha filha, mas ela não sabia disso. Decerto pensava que era.
Ela nos fazia rir, nos pedia dedicação e nos dava amor. Como se acostumar sem ela?
Por fim, cito uma conversa que resume toda a dor que sentimos com a sua morte:
-Será que existe um céu dos cachorros e ela está lá feliz agora? – perguntou Rebeca.
-Estou seguro de que o Paraíso da Vasquinha éramos nós!
Comentários