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Ressentindo

12 de agosto, 2022 - por Max Franco

Tenho escutado muita música, sintoma de overdose de estrada.
É o que nos resta quando é necessário se dirigir tanto por tantas horas nessas rodovias nacionais. Resta apenas dirigir, pensar, escutar música, fugir dos buracos e dos malucos ao volante.
O fato é que, talvez, só os cheiros sejam tão eficientes máquinas do tempo quanto as músicas e pouca coisa é tão evocativa quanto música.
No carro, escutei muita música nesses dias e, principalmente, muita música velha.
Quanta gente visitei nesses idílios melódicos? A quantas cenas reassisti? Quantas emoções ressenti? Sabe-se: ressentimentos são sentimentos reprisados, repisados, repesados. Ressentimentos são pizzas requentadas, anos depois. 
Talvez o meu maior defeito seja a memória: tenho-a demasiado.
Não me recordo bem das obrigações cotidianas dos boletos e prazos. Mas sou gênio do passado pretérito. Para quê? Para sentir muito, e de novo. E sinto muito.
As lembranças de trilha sonora são como brasas que queimam mas não cauterizam tanto quanto deviam.
Há – claro – dessas memórias resolvidas, catarse feita, gestalt concluída, gaveta fechada, chave atirada no profundo oceano.
Mas também há as inflamadas, em carne viva, penduradas pra secar.
Existem tantos rostos perfilados nessas fotos de reminiscências que nem sequer desconfiam.
É que música é troço mnemônico. 
Há muita gente que merece os melhores abraços nessas saudades. Gente que merecia dizer: ei, você deixou as melhores marcas. Pensar em você me acaricia a testa e o pensamento.
Mas, nem só de belezas vivem as nossas memórias. Tem sempre essa chama contínua queimando e queimando. E essas feridas resistentes, eternas, abertas para todas as mágoas.
Eu sinto muito e sempre. Eu sinto insistente, renitente.
Até onde vai essa estrada? Quo vadis?
Se nem sei bem para onde fui, imagina para onde vou. Vou errático, errante, errado. 
Eu me lembro bem. Eu me lembro mal.
Fiz tantas estradas, apaixonadamente, fervoroso do melhor ao pior.
Mesmo quebrado, inteiro e intenso.
Devotadamente mundano.
Ordinariamente abnegado.
Eu sinto muito e sinto muito.
Por fim, restam nas trilhas apenas pegadas mal apagadas e letras mal escritas.