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Tédio com o t pequeno
20 de abril, 2016 - por Max Franco
Um bocejo é um grito silencioso.
Gilbert Keith Cherteston
Entediado, meu amigo?
Sei como é… Nada acontece, não é? E você também acorda pela manhã torcendo para que algo de relevante lhe traga algum colorido para o seu dia? É. Eu entendo.
Não são poucos os males que afligem o ser humano – e urbano – dos tempos atuais. É a insegurança, a pouca grana, o excesso de trabalho ou a falta dele, a violência, a solidão, a corrupção (…). Como é vasto o repertório das mazelas modernas! E o pior é que, enquanto benefícios mitigam, infortúnios transbordam, pois ainda mais incômodos são agregados diuturnamente àqueles que já nos sobram.
Particularmente, gostaria posicionar o holofote sobre este que considero um dos maiores malefícios da modernidade. É claro que todas as desgraças que citei nominalmente no parágrafo anterior estão distantes de serem desprezíveis ou menos relevantes, todavia, uma desdita em especial agride crônica e dolorosamente o homem hodierno: o tédio.
Considere comigo, caro amigo: qual chaga fustiga mais o espírito do homem deste recente século XXI do que o tédio?
Qual desejo nos persegue mais do que a necessidade de se evadir, de fugir da monotonia, de quebrar o roteiro infeliz da rotina?
Acredito, por sinal, que rotina em alguma língua exótica deva rimar com câncer, porque essa praga desgasta toda coisa sobre a terra, roubando sem piedade o sabor de qualquer atividade, sentimento, crença e distração que alguém possa porventura cultivar. O fato é que se caiu na rotina, parceiro, foi pro saco!
Estava falando um dia com uma parisiense que afirmou, sem pestanejar, que odiava Paris. Que não suportava ter que passar por tantos monumentos diariamente para chegar ao trabalho. Feliz sou eu que posso apreciar Paris com novo encanto todas as vezes que tenho o privilégio de flanar pelos seus maravilhosos boulevares. Feliz sou eu que nunca poderei avistar Paris com olhos casuais. Porque, para mim, eu sei; nunca será uma rotina circular na cidade-luz. Ainda bem.
Se até Paris pode se tornar aborrecível por força do tédio, o que mais poderia escapar?
A azia da ansiedade é a aptidão do tédio. Ele não dispensa nada. A ferrugem não é indulgente com coisa alguma nem com criatura viva e, voraz, corrói tudo ao seu redor insatisfazendo-se sem limites.
Carro novo? Quanto tempo dura a sua emoção até que você se canse dele e deseje o do vizinho?
Amor novo? Quanto tempo até que você estique o pescoço à cata de novas emoções?
A peçonha não tem fronteira nem barreiras de idade, sexo ou faixa sócio-econômica. Todos estamos sujeitos aos seus auspícios porque, feliz ou infelizmente, é da alma humana o talento do incômodo e o vírus da inquietação. Porque, nós, humanos somos bichos de alma carente, incompleta, faminta de emoções, sensações, metas que nos inspirem, que nos desafiem e, que, principalmente, nos dêem algum sabor à vida.
Tédio. Tédio. Tédio. Vida tediosa, dia sem graça, as mesmas coisas e pessoas no mesmo lugar – sucessivamente – fazendo as mesmíssimas coisas do exato jeito de sempre. Não há quem o tolere! Vida insossa! Texto enfadonho. Quero algo a mais do que o maçante. Um brinquedo novo, uma amizade jovem, um trago com os colegas, ou dois, mais dinheiro para comprar mais coisas que me entretenham, um filme que me proponha um arroubo diferente, um culto que me anime, uma música que me faça voar, uma viagem que me rompa o enfado, um livro que me transforme num príncipe do oriente… Tudo para fugir do tédio. Qualquer coisa para me fazer esse fastio sumir. Ao menos por enquanto.
Há quem diga que se fosse da natureza do homem se acomodar ainda estaríamos sediados nas cavernas dos nossos antepassados e que, de fato, é apenas o nosso natural sentimento de angústia que nos impulsiona a produzir. Sartre, por exemplo, afirma que é justamente essa pulsão visceral de tentar preencher nosso arraigado vazio existencial que nos transforma em seres ativos e producentes. Pergunto, então: já que a matéria-prima é a mesma, qual é a linha tênue que divide o ser criativo, dinâmico e positivo daquele que se deixou derrotar pela inércia e pela acomodação? Produtivo o que é, senão, o indivíduo que melhor escapa da depressão inerente a todo espírito vivente?
Ai. Exercícios contemplativos e interrogações filosóficas também me causam um tédio terrível!
Será o tédio, portanto, demérito de quem pensa?
O que faço para fugir dos seus tentáculos?
Preciso de uma emoção propícia nem que seja, na verdade, só uma mera prótese.
Ajudaria acalentar ainda certa curiosidade em relação à vida. Ajudaria abandonar a preguiça e toda autocomiseração imbecil e ir à luta, à caça de sentido até onde não tem.
Porque, de fato, nada é especial e nada é ordinário, a priori. E tudo pode ser especial ou ordinário desde que assim eu e você o vejamos. Não se nasce especial. Atribui-se especial.
Pois lhe digo como fiz para minimizar meu o enfado dessa tarde. Eu o despejei em palavras repartindo meu tédio de estimação em inúmeros pedaços. Então, ali espichados no texto resignado, meus sentimentos grafados puderam ser distribuídos como panfletos no semáforo para todos aqueles que me acompanharam até aqui.
Agora, meu amigo, sinto lhe informar: o meu tédio é também seu! Faça bom uso de ambos.
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