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Não confie em você: a praga da autoconfiança
03 de abril, 2018 - por Max Franco
Dez entre dez “gurus” da prosperidade, dez entre dez palestrantes motivacionais, dez entre dez filmes da sessão da tarde vão lhe dizer exatamente o contrário. Todos vão lhe apregoar a necessidade de “crer em si mesmo” (mantenho propositadamente a redundância!) a partir do que se fala na neurociência, na bíblia, na cabala, na física quântica ou no que mais queiram usar para sedimentar as suas argumentações. Pois eu sempre preferi os antigurus, aqueles que inquietam mais que indicam, incomodam mais que conduzem e questionam mais que respondem.
Porém, o mundo está perdido, desnorteado, e todos estão desesperados por guias. Quaisquer guias. Basta o sujeito mostrar certa convicção, citar um ou dois autores, ser um bom orador, contar uma história sedutora para ser aclamado com líder sapiente. Nestes casos, a história nos demonstra com facilidade e com uma miríade de exemplos, a massa carente de orientação desliga automaticamente o seu senso crítico e adota quaisquer ideologias, políticos, religiões, produtos, práticas, partidos e, pior, pensamentos. É uma espécie de lavagem cerebral tácita. Uma lobotomia mais que resignada, satisfeita. O fato é que as pessoas gostam de seguir. E alguns adoram guiar, principalmente quando podem cobrar pelo serviço e quando isso lhe confere status e poder. Claro: poder.
O poder, como qualquer vício, sempre pede mais. E os caras do poder são tão adictos que fazem qualquer coisa para mantê-lo. São capazes de prometer o que for. São capazes, inclusive, de dizer que o “mais importante é crer em si próprio”! Uma frase que é errada duas vezes. Gramatical e moralmente equivocada.
Há três elementos que induzem o erro:
– O desconhecimento técnico. O sujeito não sabe fazer e tentou fazê-lo. Como ele não sabe, não detém a técnica, ele tem tudo para errar;
– A falta de confiança. Ele até sabe bater o pênalti. Treinou mil vezes. Mas, tem tudo para errar porque lhe falta confiança. Traduzindo em miúdos: ele amarelou!
– O excesso de confiança. Lembra-se da fábula da Lebre e da tartaruga? Gente que confia demais nas próprias competência tem tudo para ser displicente. É o motorista que confere o aparelho celular enquanto dirige. É o médico no automático, que examina o paciente sem a devida atenção. Por quê? Porque ele tem centenas de anos de medicina. Ele fez o juramento de Hipócrates com o próprio.
Observe os acidentes aéreos. Raramente os erros humanos ocorrem com pilotos iniciantes. Sabe por quê? Eles desconfiam.
Veja o que ocorre com os políticos e executivos que foram e são presos nas atuais operações da polícia. Geralmente, acreditaram em demasia nos próprios tacos. É o velho clichê: nunca acham que pode acontecer com eles. O que é isso? Excesso de confiança.
É que a autoconfiança paquera com a arrogância. E o arrogante erra porque não percebe o que ocorre ao seu redor. Arrogante está ocupado demais contemplando a beleza do próprio umbigo.
Já ouviu falar do incompetente com iniciativa? O que você acha que existe mais por aí? Incompetentes autoconfiantes ou experts tímidos?
Quem você prefere para orientá-lo no seu imposto de renda, consertar o seu carro ou realizar a cirurgia no seu filho?
Eu lhe digo quem você deveria preferir: o sujeito que confia desconfiando. O cara que, por mais experiente que seja, ainda mantem um olhar de iniciante em relação ao mundo.
Mas desconfia de quê?
De tudo. De todos. Principalmente, desconfia dele. Desconfia do que sabe, do que não sabe, do que deveria saber, da sua prática, da sua forma de enxergar o mundo, do mundo.
Alguém que desconfia pondera, duvida, estuda, consulta, se aprimora.
Confiantes se bastam.
Confiantes creem no que querem.
Confiantes acreditam demasiado nas próprias capacidades.
O problema é que gente erra. É da humanidade errar. Humanos são errantes por natureza. E só há um processo permitido para quem quer buscar a utópica perfeição: estudo, muito estudo; treino, muito treino; avaliação, muita avaliação; dúvida, mas comedida, não ao ponto de bloquear a sua ação; confiança, mas limitada, não ao ponto de desconsiderar todas as possibilidades, falhas e variáveis. E depois? Tudo de novo. Até quando? Até a morte.
Ninguém inteligente deveria jamais se achar o suprassumo de nada. Michelângelo, antes da morte, teria declarado que era uma pena muito grande morrer logo quando estava começando a aprender os rudimentos da sua arte.
Kafka, Van Gogh, Fernando Pessoa, Modigliani e muitos outros morreram sem nenhum reconhecimento. Mozart, por exemplo, foi enterrado numa vala comum, no cemitério de São Marx, em Viena. Devido sua pobreza, não houve lápide ou marca que o identificasse. Até hoje, não se sabe ao certo o local exato de seu túmulo.
E você se acharia a quintessência de sei lá o que, por que mesmo?
Por isso, confie, meu amigo, mas desconfiando.
Desconfie, confiando.
Dos gurus, só desconfie.
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