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Um dia

04 de abril, 2016 - por Max Franco

Um dia

Um dia, acontece de você acordar, ver que é dia, olhar pela janela e perceber que se foram anos.
Acontece de você olhar para o dia que se abre à frente como quem fica parado diante da TV, sem ação, assistindo àquela novela antiga.
Acontece de você perceber que os anos vieram e partiram sem deixar bilhete de despedida ou beijo de batom no espelho.
Acontece de pesar seus sonhos e se dar conta de que não sabe se foi você que os realizou ou foram eles, os sonhos, que lhe realizaram.
Acontece de acontecer o dia e você não se perceber acontecido.
Acontece o acontecimento do dia e ser um dia tão diário que você tem até dúvida do seu valor.
Todos sabem, há dias assim, assim, ordinários.
Dia que de tão comum escorre do diurno para o noturno sem algo digno de nota.
Dia que não vale a pena entrar no diário.
E vem a noite noitificando o dia com o seu lençol sombrio.
Você em dia, mas sem dia para falar do seu dia.
Acontece assim de você se deitar sem ter vivido o dia.
Dia que se aperta, e puxa, e traz, mas não vem nada. Dia vara de pesca vazia. Dia cesto oco.
Dia casa desocupada. Dia cotidianamente dia-a-dia.
Ocorre de se sacudir quando mão silenciosa lhe agarra.
Ocorre de se debater, de resistir, de pular, de gritar quando o sussurro do Vazio chegar aos seus ouvidos.
Quando o dia e vier e for sem souvenir. Porque a vida é a crueldade mais deliciosa que existe.
Ou a delícia mais cruel que inexiste quando impera o Nada.
A Vida não perdoa quem olha para o seu dia com o desdém dos cínicos.
A Vida sequestra e atira o refém no limbo que ele mesmo erigiu.
E você fica ali estatelado e encharcado daquele grande e imenso nada.