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Como eu era
05 de julho, 2016 - por Max Franco
“Nunca encarei o suicídio como uma solução, porque eu odeio a vida por amor a ela.” Fernando Pessoa
“Como eu era antes de você” é um livro que mereceu alguma atenção nestes últimos tempos e, como o mercado de filmes tem uma enorme carência de roteiros que “garantam” o interesse do público, é apropriado se usar a velha fórmula da adaptação-do-livro-de-sucesso-para-o-cinema.
Foi o que fizeram. Também recorreram a outro estratagema eficaz: convidaram dois jovens atores que, ultimamente, andam repercutindo no disputado universo do show biz. Ele, o bonitão Sam Claflin, foi lançado pela trilogia Jogos Vorazes. Ela, Emilia Clarke, é uma das protagonistas do fenômeno atualíssimo, a coqueluche, Game of thrones. Certeza de sucesso? Alguns diriam que sim. Outros, nem tanto.
O que transforma essa produção que teria todos os ingredientes para ser mais uma mera e açucarada comédia romântica em uma história potencialmente polêmica? Advirto já, se você não assistiu ao filme, nem leu o livro, e pretende fazê-lo, que interrompa agora a leitura porque spoilers vão chegar em 3,2,1…
Como eu estava dizendo, os elementos típicos para uma comédia romântica daquelas com carimbo na capa não faltam nesta história. Ele é lindo, inteligente, sofisticado, fofo, maravilhoso e terrivelmente rico. Ela, pobre, meio burra, se veste mal e tem uma inclinação crônica para a trapalhada. Clássico? Ainda pode piorar: como em toda comédia romântica, eles – no início – não se suportam. O pacote do romance engraçadinho estaria completo, caso ele não fosse um tetraplégico com propensão ferrenha ao suicídio!
Este é o fator desestabilizador que desconstrói um bocado da ternura desta ficção. Afinal, temas como morte, suicídio e eutanásia não costumam combinar muito bem com romantismo, a não ser, lógico, que seja obra de Shakespeare. Mas o bardo morreu faz séculos e se espiritismo existe, não funcionou no caso dele e de muitos outros gênios. Jojo, por exemplo, pode ser inglesa, mas não é a reedição do velho William.
Suicídio e eutanásia são sempre assuntos que atraem discussões. A autora do livro tentou dispersar a polêmica declarando que se inspirou na história real do jogador de rugby que preferiu morrer com o “auxílio” da organização suíça Dignitas. “Nós somos uma sociedade que julga muito e você nunca sabe realmente o que se passa na mente de alguém ou quais experiências ela teve para tomar essa decisão”, ela disse.
Sim, de fato, nem todo mundo cursou direito e fez concurso, mas somos hoje no mundo 7 bilhões de juízes das vidas dos outros. E somos juízes com uma natureza específica, porque este juízo serve apenas para a vida alheia e nada em relação à própria. Somos juízes-pomada, somente para uso externo.
Sem calçar os seus sapatos, como julgaríamos a condição do protagonista do “Como eu era”? Ele não tinha direito de pedir pela própria morte? A família deveria ser contra e evitá-lo a qualquer custo? A morte, num caso como o do livro, para ele que o solicitava, claramente senhor de todas as suas faculdades, não seria um ato de misericórdia? A eutanásia deveria ser, realmente, um expediente imoral e criminoso?
Falemos também de suicídio. Mas falemos sem preconceitos. Não quero, nem posso fazer apologias, mas não nos apressamos em demasia ao julgar os suicidas!? Não conseguimos levar em conta que um sujeito que planeja e coloca em prática a duríssima tarefa de por fim à própria vida não mereceria um olhar, no mínimo, de comiseração? Ele, afinal, foi autor de um ato covardemente corajoso, ou bravamente medroso. O infeliz logrou, enfim, uma conquista, a sua última, a conquista de uma derrota, e derrota absoluta.
Há coisa fácil de se dizer. Saem fácil dos lábios os julgamentos. Escorre da boca condenações e vaticínios de inferno. Mas, só o desgramado do morredor sabe o que o empurrou para tal desgraceira. É simples e, a meu ver, simplista se atribuir à loucura ou às drogas os motivos para um suicídio. Uma coisa sobre essa motivação, eu sei. Sei que o desesperançado fez uma conta de custo x benefício, e, para a sua ótica (tortuosa!?),o extrato ficou no vermelho.
Há, também, os famosos, inclusive ricos e intelectuais, personalidades das mais esclarecidas, como Hemingway, Heath Ledger e Robin Williams, apelaram para este recurso fatal. A pergunta que nunca quer calar é sempre aquela: por quê?
É este o pior legado, a herança maldita, do suicida: a dor que ele delega para os sobreviventes. Sobreviventes que estarão condenados a conviver com a questão vitalícia. Com as mil questões que ficarão. E com aquele “e se” eterno machucando e espetando a cada lembrança.
Pensando nisso tudo, e, principalmente nestes vivos que continuarão, anos a fio, à sombra da autoflagelação do ente querido, me vem à mente que, talvez, em certas ocasiões extremas, o maior sacrifício que alguém possa fazer é, justamente, permanecer vivo.
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